quarta-feira, 24 de junho de 2015

Derrotas, Empates e Vitórias - balanço de uma aventura pelo xadrez que acabou acima das melhores expectativas.


uns meses APAXES em Loulé
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Acabou como começou: uma brincadeira em jeito de desafio sobre a capacidade de resolver pequenos problemas, de tomar decisões e de ser responsável por elas.
Pelo caminho, as primeiras dúvidas e inquietações.
A tensão de ser desafiado.
A pressão de não querer falhar em público.
O stress imposto pela contagem decrescente do relógio.
A dificuldade em lidar com o próprio erro.
As desculpas.
Primeiro a culpa dos outros: que ele não se calava, que ele falava de vez em quando, que ele se mexia muito, que ele o distraiu, que o outro o ajudou, que foi por falta de tempo...
Depois os azares da vida: que tocou na peça por engano, que pousou a peça na casa que não queria, que se distraiu com o barulho, que não lhe apetecia ganhar, que esteve a ganhar o jogo todo mas levou xeque-mate, que se ele tivesse jogado outra coisa qualquer teria perdido de certeza.
Passados uns meses, a espaços, a auto-crítica: que jogou mal a abertura, que não conseguiu calcular o que iria acontecer, que não percebeu a posição e o plano escolhido não foi o melhor...


Aos poucos, os mais tímidos ganharam à vontade e os mais optimistas perceberam que não basta desejar e confiar, que os todos os efeitos têm as suas causas.
O leque de conhecimentos foi aumentando e à medida em que foram sendo postos em prática, também a confiança. Com mais recursos para definir o melhor plano, para escolher a melhor jogada, as posições que inicialmente eram indecifráveis passaram a ser apenas (muito) complicadas de jogar.
Estruturar o raciocínio, organizar padrões e gerir o tempo foi tarefa a que se começaram a habituar, dentro da maturidade que é própria da idade. 
Fazer o melhor possível com a posição que têm para jogar e aprender com as derrotas é o estádio actual da sua evolução.

Uma das lendas sobre a sua origem data o seu surgimento no século VII, na Índia, sob a forma do jogo do Chaturanga - que significava qualquer coisa como "As quatro divisões do exército" (a infantaria, a cavalaria, os elefantes e as carruagens, comandados pelo Rei e pelo seu conselheiro).
Da Índia o jogo chegou à Pérsia e quando este império foi conquistado pelos árabes, o jogo espalhou-se pelo norte de África.
O nome foi sofrendo alterações de acordo com as línguas dos povos, tal como as regras, e o chaturanga, que no norte de África era designado por Shaterej, ao entrar na Europa pela Península Ibérica ficou baptizado com o nome de xadrez e ajedrez. Na Europa central e oriental, o nome do jogo mantém uma ligação à fonética original («shah» significaria Rei em Persa e que pelas nossas bandas deu origem ao famoso xeque e ao sempre desejado xeque-mate, de «shah mate» - o Rei não pode escapar).
No ano de 711, a Península Ibérica foi conquistada pelos árabes que com eles trouxeram o shaterej.
A península recebeu o nome árabe de Al-Andalus (a região do sul de Espanha ainda hoje se chama Andaluzia) e a sua zona ocidental era o Al-Gharb (literalmente o ocidente... Afinal andamos enganados quando dizemos que o Algarve é o sul!).
Há quem diga que foi precisamente no Al-Gharb de Al-Andalus, num local chamado Xannabus ou Xanbras - que terá dado origem à nossa vizinha cidade de São Brás de Alportel - que nasceu Ibn Ammar, um político poeta que era um excelente jogador de xadrez e que, ao vencer uma partida ao Rei Afonso VI, fez com que este desistisse de conquistar a cidade de Sevilha.

O Al-Andalus foi o berço de algumas obras teóricas relativas ao shaterej.
O Libro de los Juegos - Libro de Acedrex. Dados e Tablas (Livros dos Jogos - xadrez, dados e tabuleiros), encomendado Rei Afonso X de Leão e Castela, no final do século XIII, é uma das primeiras obras escritas sobre o xadrez.
O jogo foi também muito utilizado como ferramenta filosófica, servindo de base a metáforas da vida, como ainda recentemente fez o ex-campeão do mundo Garry Kasparov na sua obra "Como a vida imita o xadrez".
A Península Ibérica (Pedro Damiano, de Odemira; Ruy Lopez de Segura que criou a Abertura Espanhola) era uma das zonas em que o xadrez era mais pulsante, passando, com o apogeu do renascimento, para a Itália (Paolo Boi) e depois, com o iluminismo, para França (Philidor).
A influência das rainhas europeias e da igreja católica também chegou ao xadrez nesta zona da Europa:
- A infantaria do chaturanga deu origem ao peão (nalguns países com o significado de soldado de infantaria, noutros, como na Alemanha e na Espanha, de agricultor);
-  A cavalaria indiana ficou associada aos cavalos (nalguns países com o significado de cavaleiro - ex: França -, noutros como cavalo de salto - ex: Alemanha);
- os elefantes deram origem aos bispos (em alguns locais, aos bobos da corte - ex: França -, aos mensageiros - ex: Polónia -, aos atiradores - ex: República Checa. Em espanhol, o bispo ainda se chama alfil, de al-fil, o elefante);
- as carruagens tornaram-se torres (na Rússia traduzem-se por navios, na Indonésia como castelos, na China e na Estónia como vagões);
- o conselheiro/vizir passou a Rainha ou Dama, embora fora da Europa haja alguns países que identificam esta peça no género masculino. Mesmo na Europa, na Estónia esta peça traduz-se por bandeira. Na Rússia (ferz) e na Turquia (vezir) o nome da peça é próximo do firz original.
- O Rei é que sempre se manteve Rei, embora em alguns casos com neologismos (no Japão é kingu, do inglês king).
Para saber mais sobre os nomes das peças em diferentes línguas, ver aqui.

O xadrez sempre teve tradição no Algarve.
Na década de 1990, os campeonatos nacionais de jovens era muitas vezes organizados pela Associação de Xadrez de Faro e clubes nela filiados.

Uma foto histórica de um nacional de jovens em Silves:
à esquerda, em primeiro plano, o Mestre José Padeiro; depois está o Carlos Correia; ao centro, de pé, Rui Guimarães, do GX 113, então da Cooperativa Realidade; depois o João Barbosa, que é um dos nomes grandes do poker português; à direita, o Daniel Quintã, do Dias Ferreira. Atrás está o Rui Branca.

O distrito de Faro também tem tradição no xadrez jovem.
Nos anos 90 e no início do milénio:
- o Mestre António Vítor, do Sporting Clube Farense, foi campeão nacional no escalão sub-18 (1992/93) e duas vezes campeão nacional sub-20 (1993/94 e 1994/95);
- Gisela Águas, dos Peões do Núcleo de Xadrez de Faro, foi campeã nacional sub-10 em 1996/97;
- o Ricardo Duarte, que conhecem da AXAL, foi campeão nacional sub-18 em 1998/99, em representação do Sport Faro e Benfica;
- Vasco Diogo foi campeão nacional sub-18 em 1999/00;
- Nuno Guerreiro foi campeão nacional sub-20 em 2002/03;
- Luís Silvério foi campeão nacional sub-18 em 2002/03.

Actualmente, o xadrez no Algarve está em fase de renascimento.
Daqui a um mês, o André Dionízio, da Associação Cultural de Faro, vai estar no Luso a defender o título de campeão nacional que obteve o ano passado no escalão sub-16. Na mesma luta, mas em estreia absoluta, estará o António Martins, da Associação Cultural de Alte, freguesia aqui de Loulé.

Ao nível da iniciação e formação, a Academia de Xadrez do Algarve tem realizado um excelente trabalho, preparando as bases para que o distrito de Faro deixe de contar apenas com pouco mais de 50 jogadores filiados na Federação Portuguesa de Xadrez (há clubes com mais do dobro de sócios noutros locais do país...).


"Ponto de Encontro" à entrada da Assembleia Municipal de Loulé,
na última jornada dos Campeonatos Distritais de Faro de xadrez jovem 2014/15.

Andarão por aqui os próximos nomes grandes do xadrez algarvio?

O xadrez é convívio e aquisição de ferramentas para vida (confiança, concentração, tomada de decisões, organização e estruturação mental, gestão de tempo, confronto com posições desfavoráveis, capacidade de superação...), é ciência, arte e pode ser também desporto.
A competição é apenas uma opção, para aqueles que pretendam pôr à prova as suas capacidades, sendo certo que o resultado raramente é o mais importante: normalmente, a vitória é a consequência para quem se preparou melhor; e a derrota é sempre um dos três resultados possíveis quando se inicia uma partida.

Pelas nossas bandas, o balanço da aventura deste ano pelas 64 casas é muito positivo, mas os resultados desportivos desta recta final superaram largamente as melhores expectativas.

Por ordem alfabética, começando pelos mais novos (clicar nas imagens para aumentar o tamanho):


Bia
1.º lugar feminino no Torneio do Final do Ano Lectivo
do circuito de xadrez escolar da AXAL
(ritmo semi-rápido)
Junho 2015



Carol
Campeã Distrital de Faro - escalão sub-12 feminino
(ritmo clássico)
Junho 2015



Nandus
Vice-Campeão Distrital de Faro, escalão sub-14
(ritmo clássico)
Junho 2015



Simon
9.º classificado no Torneio de Carnaval
do circuito de xadrez escolar da AXAL
(ritmo semi-rápido)
Fevereiro 2015


E os mais graúdos:



Cláudia
1.º lugar feminino no Torneio FIDE da Ass. de Xadrez de Faro
(ritmo clássico)
Junho 2015



Tiago
1.º lugar no Torneio FIDE da Ass. de Xadrez de Faro
(ritmo clássico)
Junho 2015
(Nesta foto, do GX 113 vs Amigos de Urgeses a contar para o Nacional da Segunda Divisão, estou a jogar com o Rui Guimarães da foto dos anos 90...)


Se quiserem dar sequência ao excelente trabalho que têm feito, o próximo passo é praticar com mais frequência, de maneira a  não esquecer o que aprenderam, desenvolver a capacidade de aplicar os conhecimentos que já têm, além de adquirirem outros novos, para o ano.




Podem jogar online a partir do site www.chess.com que permite jogar em tempo real contra jogadores de todo o mundo, por correspondência (uma jogada por dia, por exemplo) e ainda treinar exercícios tácticos ou assistir a vídeos com treinos.


Finalmente, aqui fica um resumo daquilo que aprendemos nestes meses, para ser mais fácil aplicarem todas as armas de que já dispõem nas partidas que jogarem:

O QUE É QUE JÁ SABEMOS?

Na Abertura: (ver resumo n.º 5)

1 - Queremos tirar o nosso exército do quartel, abandonando a posição inicial para conquistar espaço no tabuleiro e proteger o nosso Rei.

2 - Para alcançar este objectivo, temos 3 regras de ouro:
i) Controlar o centro;
ii) Desenvolver as peças por ordem crescente de valor e, em princípio, sem movimentar duas vezes a mesma peça antes de todas terem saído do quartel (o xadrez é um jogo de equipa, é muito difícil dar xeque-mate só com uma peça: os Cavalos devem ir para o centro do tabuleiro, não para as laterais; os Bispos e as Torres devem ocupar preferencialmente linhas abertas, isto é, sem peões, para o seu raio de influência e a sua mobilidade serem maiores);
iii) Proteger o Rei num canto do tabuleiro, através do roque (que ajuda a desenvolver a Torre e encosta o Rei a um canto, onde o adversário tem menos linhas de ataque e reforça a defesa do peão de f, de Fraquinho).


Ideias avançadas:

- O objectivo nos primeiros 15 lances é obter uma estrutura de peões sem debilidades, desenvolver as peças para casas em que incomodem o adversário e conquistem espaço, e proteger o Rei.

- É preciso ter atenção à estrutura e ao desenvolvimento porque estes elementos vão definir a forma como o resto da partida vai decorrer.


No Meio-Jogo:

3 - Sempre que o adversário jogar, devemos fazer duas perguntas:
i) O que é que a peça que ele jogou está a ameaçar na sua nova posição?
ii) O que é que a peça que ele jogou deixou de fazer por já não estar na posição anterior?

(Deste modo vamos ficar concentrados e evitaremos que o adversário nos faça negócios ruinosos - ver resumo n.º 6)

4 - Vamos tentar obter vantagem material, através da realização de negócios ruinosos para o adversário, utilizando as tácticas da PaLA da boina do Sherlock Holmes.
Queremos: 
i) Peças activas, isto é, a desempenhar uma função útil, seja a atacar o adversário, seja a impedir a sua progressão, seja a ajudar outras peças do nosso exército;
ii) ocupar Linhas de progressão, ou seja, as nossas peças devem ter mobilidade para atacar alvos;
iii) identificar os alvos na posição adversária que podem ser:
          a) O Rei ou outra peça valiosa (Dama ou Torre);
          b) Peças desprotegidas ou pouco protegidas, isto é, defendidas com o mesmo número dos atacantes;
          c) Casas VIP, ou seja, casas onde podemos fazer coisas importantes, como dar xeque-mate, activar as nossas peças ou impedir a progressão do adversário.

(PaLA - Peças activas em Linha contra o Alvo: ver resumo n.º 7, primeira parte / Ao procurar bons lances para jogar, começar por aqueles que colocam mais problemas ao adversário - primeiro analisar os xeques, depois as ameaças e finalmente as capturas. Nunca esquecer a possibilidade de surgirem lances intermédios.)

5 - O nosso radar de alvos tem que estar sempre ligado. Se encontrarmos:
i) Dois ou mais alvos, procuramos Ataques Duplos (resumo n.º 7, segunda parte);
ii) Se os alvos estiverem na mesma linha, procuramos Pregagens ou Espetadas Radioactivas e quando tivermos uma pregagem feita, o que queremos? Aumentar a pressão! E o que é que a peça pregada não faz? Peça pregada não defende! (ver resumo n.º 8);
iii) Se houver alvos e tivermos uma bateria, tentamos fazer uma Ataque a Descoberto (ver resumo n.º 9);
iv) Se o alvo for uma peça pouco protegida, tentamos Eliminar o Defesa com uma captura, uma ameaça ou um desvio (ver resumo n.º 10)

6 - Depois de um negócio ruinoso (ver resumo n.º 4, parte final):
i) Se tivermos vantagem material, queremos trocar peças e não peões. Trocamos peças para diminuir a possibilidade de defesa do adversário e ficamos com os peões para promover um a Dama;
ii) Se estivermos a perder material, queremos trocar os peões e não as peças (trocamos os peões para o adversário ter mais dificuldade em promover um e ficamos com as peças para termos mais poder defensivo)

7 - O Rei deve ser protegido; os Cavalos devem controlar o centro; os Bispos gostam de diagonais abertas; as Torres também gostam de colunas abertas, sendo que dobradas triplicam de força e o objectivo é coloca-las no território adversário na sétima ou na oitava fila.


Ideias avançadas:

- O desenrolar da partida passa por várias fases: I. Desenvolvimento (activar as peças, começando pela jogada que provoca mais problemas ao adversário); II. Profilaxia (prevenir as ameaças do adversário para a nossa posição ser mais estável que a dele); III. Atacar (concentrar as nossas peças na direcção do alvo, para o ataque ter vantagem sobre a defesa); IV. Ruptura (entrar na posição adversária, através de um sacrifício ou troca que elimine o defensor).

- Queremos jogar no lado do tabuleiro em que as nossas peças têm mais espaço/potencial ou naquele em que o adversário está mais frágil, para não criar fraquezas/alvos na nossa posição.

- Se o adversário não tem forma de criar ameaças, não é preciso ter pressa: o nosso plano pode ser calmo e passar por restringir a sua posição e mantê-lo desconfortável (obrigar as peças mais perigosas/avançadas do adversário a recuar; reagrupar/melhorar a posição das nossas).

- Se a posição tem potencial para se alterar, temos de reagir depressa: devemos planear tentar criar pressão e dificultar o jogo do adversário rapidamente, activando peças e abrindo linhas (não recuar as nossas peças a não ser que sejamos obrigados; abrir a posição só quando preparados, quando não tivermos vulnerabilidades e as peças estiverem bem posicionadas: a abertura de linhas de progressão beneficia o exército melhor preparado).

- Trocar peças apenas se a posição final o justificar: quanto mais tempo se mantém a pressão, mais difícil é a defesa. A troca é justificada se criar uma fraqueza permanente no adversário.

- Se não soubermos o que fazer, não devemos inventar: simplificar a posição para não surgirem condições que nos possam surpreender.

No Final:

8 - Devemos ter peças activas e explorar os peões fraquinhos (isolados, dobrados ou atrasados).

9 - O objectivo é promover um peão a Dama e devemos concretizar este plano com a ajudar do nosso Rei: como já há poucas peças no tabuleiro, não há grande risco de levar mate, pelo que o Rei deve ser uma peça activa. 

10 - Quando tivermos Rei e Dama contra Rei, devemos fazer a técnica da caixa; se tivermos duas peças pesadas (Dama/Torre) contra o Rei, a técnica mais eficaz é a das escadinhas. Cuidado para não afogar! (ver resumo n.º 2)


Ideias avançadas:

- Na preparação e análise da fase terminal da partida, os dois aspectos mais decisivos são a estrutura de peões (fraquezas e pontos fortes) e a actividade das peças (capacidade de atacar e defender).

- Pensar no que o adversário quer fazer porque muitas vezes vamos querer fazer o mesmo (ex: avançar um peão para determinada casa) ou o plano passará por impedir o adversário de alcançar o seu objectivo.

 
Vão ver que à medida que forem interiorizando estes ensinamentos os bons resultados vão aparecer: o objectivo do xadrez é dar xeque-mate ao adversário, mas ganhar, mais do que um objectivo, é o resultado do vosso empenhamento.

Se se dedicarem é garantido que vão ganhar mais vezes que aquelas que perdem.
E não se esqueçam que todos os Mestres já foram, em tempos, iniciantes, e que antes de começarem a ganhar partidas e depois campeonatos, tiveram que perder muitas vezes e aprender com as suas próprias derrotas.

Na verdade, qualquer Mestre já perdeu mais partidas do que todas aquelas que vocês já jogaram na vida!

Felicidades e mãos à obra que o xadrez é um caminho que se faz caminhando.