Em
Sherlock Holmes Faces Death, o famoso investigador privado tem que recorrer aos seus conhecimentos xadrezísticos para descobrir quem tentou matar o Dr. Sexton - podem saltar para o minuto 43.
Nesta altura do campeonato, já sabemos que adquirir vantagem material (isto é, conseguir capturar peças do adversário que sejam mais valiosas que aquelas que ele nos captura a nós) é um dos melhores métodos para criar condições que nos permitam dar xeque-mate: quanto maior for a superioridade do nosso exército, mais fácil será ultrapassar a resistência da armada adversária.
Mas falta-nos aprender como é que podemos forçar o oponente a celebrar um negócio que seja ruinoso para ele.
Apesar de os iniciantes serem adversários muito simpáticos (jogam as peças para casas controladas por nós; não defendem as peças quando nós os atacamos; permitem que nós cerquemos as peças deles...), os jogadores com alguma experiência já não cometem estes erros e parecem jogar de forma incompreensível e misteriosa.
Parece que fizemos tudo bem: tirámos as tropas do quartel, controlámos o centro e protegemos o Rei, mas de repente, sem sabermos muito bem como, já estamos a perder material.
Para nos explicar os mistérios dos negócios ruinosos, não há ninguém melhor que...
... Sherlock Holmes!!
Mas antes de recebermos as explicações do grande solucionador de mistérios, temos que saber o que é "Elementar, meus caros vigorosos!"
E o que é elementar é saber que as armas dos crimes, nos mistérios das peças desaparecidas, são os elementos tácticos do xadrez.
Um elemento táctico, ou uma táctica, é uma jogada que nos permite dar xeque-mate ou ganhar material.
Normalmente é o culminar de uma sequência de lances (de uma combinação).
Sendo que as combinações são possíveis porque antes tivemos a preocupação de colocar as nossas peças em boas casas, de maneira a elas estarem activas no jogo.
Uma peça está activa quando se encontra a desempenhar uma função útil, como acontece, por exemplo, quando:
- Ataca peças adversárias:
Em f3, o Bispo não tinha grandes perspectivas na diagonal d1-h5 (só duas casas disponíveis).
Em d4, tem um papel mais activo: tem mais mobilidade em a2-g8 e ataca a Dama negra.
- Impede o avanço do adversário:
O Cavalo, ao controlar a2, impede que o peão de a3 alcance a casa de promoção.
- Está a jogar em equipa:
No diagrama da esquerda, a Torre branca não está activa (não está a desempenhar nenhum papel útil), ao contrário do Bispo branco (está a atacar o Cavalo) e da Torre negra (está a defender o Cavalo). Os Reis também não estão activos.
No diagrama da direita, depois de ir para a5, a Torre branca já está activa, uma vez que passou a cooperar com o Bispo no ataque ao Cavalo negro.
Para percebermos os mistérios das peças desaparecidas e compreendermos as tácticas do xadrez,
precisamos de uma PaLA como a da boina do Sherlock Holmes!
A solução do mistério passa sempre por três elementos:
1 - Peças activas
2 - Linhas de progressão
3 - Alvo para ameaça
Já falámos um pouco sobre a actividade das peças.
A existência de linhas de progressão verifica-se quando as nossas peças têm mobilidade, isto é, têm a possibilidade de se movimentar para atacar o alvo.
(No último exemplo, conseguimos ameaçar o Cavalo porque a Torre conseguiu ir para a fila 5 - e a Torre estava tão móvel que conseguia activar-se e ter o mesmo papel a partir da casa d4).
Também já falámos sobre este assunto quando vimos como as peças se movimentavam e concluímos que os Cavalos têm mais casas disponíveis se estiverem no centro do tabuleiro, que os Bispos gostam de diagonais abertas, que as Torres preferem filas ou colunas abertas... lembram-se?
Sobre o alvo e o que é uma ameaça, também já falámos em encontros anteriores.
Mas vamos lá ver do que é que nos lembramos...
Se uma peça pode ser capturada pelo adversário na jogada seguinte, está a ser atacada.
Este ataque só é uma ameaça se der uma vantagem ao atacante (dar xeque-mate ou ganhar material, por exemplo).
Os alvos são os elementos que podem ser ameaçados.
Há três tipos de alvos:
3.1. o Rei
Sempre que damos xeque o adversário é obrigado a reagir para defender o Rei e não pode utilizar a sua vez de jogar para executar o seu plano.
O Rei, se estiver desprotegido ou não tiver casas de fuga disponíveis, é um excelente alvo, até porque o objectivo do jogo é atacá-lo de modo a que não tenha escapatória possível (xeque-mate!!).
3.2. Material
Quando nos referimos ao material como alvo, estamos a falar de peças ou peões desprotegidos ou pouco protegidos.
É que estamos no xadrez, não na escola... Seja como for, cá, como lá, tenham cuidado com o vosso material! ;)
3.3. uma Casa VIP
- por exemplo:
3.3.1 - Uma casa onde podemos dar xeque-mate ao adversário:
Se a Dama branca chegar a h7 é xeque-mate.
(O Rei não a poderia capturar porque o Bispo estaria a ajudar a Dama)
Outro exemplo:
3.3.2 - Uma casa onde podemos activar as nossas peças:
Se o Bispo negro chegar a b4, bloqueia o avanço dos peões brancos.
X x X x X
Agora que já sabemos que não podemos deixar a PaLA (Peças activas em Linha para o Alvo) sair da nossa tola, estamos prontos para desvendar o nosso primeiro mistério.
O Ataque Duplo
(também conhecido por
Garfo ou
Forquilha)
No Ataque Duplo, uma peça ameaça ao mesmo tempo dois ou mais alvos do adversário, de tal modo que mesmo que ele defenda um, fica sempre sem outro.
Vamos ver uns exemplos:
A] Missão Rei + Material
A jogada Bxc6+ é um ataque duplo.
As brancas têm dois alvos: o Rei e um material (a Torre desprotegida em a8).
Depois de o Bispo capturar o peão (1 ponto) [1. Bxc6+], as negras são obrigadas a defender o xeque.
E quando elas mexerem o Rei [1. ... Re7], o Bispo vai tomar a Torre (5 pontos) [2. Bxa8].
Às negras resta capturar o Bispo (3 pontos) com a Torre de h8 [2. ... Txa8].
São mais 3 pontos para as brancas (1+5-3=3).
O exército branco ficou mais forte que o negro e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!
B] Missão Material + Material
A jogada b4 é um ataque duplo.
As brancas têm dois alvos materiais: O Cavalo desprotegido em a5 e o Bispo desprotegido em c5.
Depois de o peão avançar para b4 [1. b4], as negras não têm como evitar perder uma das peças por troca por um peão.
Podia seguir-se, por exemplo, o recuo do Bispo [1. ... Bb6] e depois da captura do Cavalo (3 pontos) [2. bxa5], o Bispo tomaria o peão (1 ponto) [2. ... Bxa5]
São mais 2 pontos para as brancas (3-1=2).
O exército branco ficou mais forte que o negro e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!
C] Missão Rei + Material + Material
As brancas tentaram dar mate Pastor que nós já sabemos que não é lá grande ideia...
As negras defenderam-se bem e as coisas correram mal às brancas.
Nesta posição, as negras têm três alvos: o Rei e dois alvos materiais (a Torre desprotegida em a1 e a Dama - peça mais valiosa - em e3).
A jogada Cxc2+ é um ataque triplo!!!
Após a captura do peão (1 ponto) [1. ... Cxc2+], para defender o xeque as brancas têm que jogar o Rei [2. Rd1].
Segue-se a captura da Dama (9 pontos) [2. Cxe3+], podendo depois as brancas capturar o Cavalo em e3 (3 pontos) [2. ... dxe3].
São mais 7 pontos para as brancas (1+9-3=7).
O exército branco ficou mais forte que o negro e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!
D] Missão Material + Casa VIP
A jogada Dc2 é um ataque duplo.
As brancas têm um alvo material (o Cavalo desprotegido em c6) e uma casa VIP (h7, onde a Dama pode dar mate).
Depois de 1. Dc2, as negras podem defender o mate jogando 1. ...g6: esta jogada fecha a diagonal b1-h7 e a bateria formada pelo Bb1 e a Dc2 já não tem mobilidade para chegar a h7.
Mas após 1. ... g6, as brancas podem jogar 2. Dxc6, capturando o Cavalo (3 pontos).
São mais 3 pontos para as brancas.
O exército branco ficou mais forte que o negro e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!
X x X x X
Mas como é que podemos usar a PaLA (Peças activas em Linha para o Alvo) do Sherlock Holmes para fazer desaparecer as peças do adversário?
Já sabemos que quando é a nossa vez de jogar temos que responder à questão "Por que é que ele fez esta jogada?"
Temos que ver:
- se a peça dele atacou alguma nossa;
- quais as casas para onde pode ir a seguir; e
- verificar se a jogada dele activou outra peça.
Se não houver nenhuma ameaça que requeira que a nossa atenção, podemos fazer uma análise táctica da posição.
Mas o que é isto de fazer uma análise táctica da posição?
Parece uma coisa muito complicada, mas na verdade só requer...
... um par de olhos abertos!
Para resolver os mistérios das peças desaparecidas basta usar o poder de observação, como faz o Sherlock Holmes.
Para isso temos que meter na cabeça a PaLA (Peças activas em Linha para o Alvo) do detective e não esquecer os três alvos: Rei, Material e Casa VIP.
Hum... Como é que aqueles três estarolas conseguem deslizar até ao amigo?
Se calhar, mesmo sabendo o que procuramos, a tarefa pode não ser assim tão simples...
Muitas vezes, quando já sabemos o que queremos, é mais eficiente começar a nossa tarefa de trás para a frente, para ver qual é a melhor forma de alcançarmos o nosso objectivo.
(Lembram-se que foi por isso que começamos a aprender xadrez com as técnicas das escadinhas e da caixa?) Vamos aplicar esta estratégia ao nosso labirinto e tentar descobrir o caminho começando lá por baixo...
Bem mais fácil, hein?
Vamos aplicar esta inversão à nossa análise táctica.
Em vez de PaLA (Rei / Material / Casa VIP), vamos fazer ao contrário:
Começaremos pelos Alvos ((Rei / Material / Casa VIP).
Depois vamos às Linhas de ataque.
E finalmente às Peças activas.
'bora lá! Olhos bem abertos para o...
PRIMEIRO PASSO: Identificar os Alvos
Começamos numa ponta do tabuleiro e, como um radar, identificamos:
1 - o Rei;
2 - Material desprotegido ou defendido pelo mesmo número de peças que o número de atacantes;
3 - Casas VIP.
SEGUNDO PASSO: Verificar se há Linhas de ataque
Para cada Alvo identificado, vamos determinar as linhas pelas quais ele pode ser atacado.
TERCEIRO PASSO: Activar a Peça
Quando encontrarmos um bom cruzamento de linhas de ataque, activamos aí o nosso ataque.
Lido assim parece mais complicado do que realmente é.
A melhor maneira de perceber o que é uma análise de posição, é fazê-la.
Vamos lá levar à prática a PaLA do Sherlock Holmes:
Posição 1
Jogam as pretas.
O que é que elas devem jogar?
As brancas acabaram de jogar o Bispo de f8 para g7, capturando um peão.
Por que é que ele fez esta jogada? Para capturar um peão.
O Bispo ficou a atacar alguma peça nossa? Não.
O Bispo pode ir para alguma casa perigosa? Não, as únicas peças que temos em casas negras é o Rei (que não pode levar xeque) e o peão b6 que está protegido pelo Rei e pela Torre. O Bispo pode ir para c3, d4, e5, f6, h8, f8 e h6, mas não ataca nenhuma peça negra.
Ao sair de f8, o Bispo activou alguma peça branca? Não, as brancas não têm nenhuma peça na linha 8 ou na coluna F que pudesse ficar activa.
Como não há perigos que requeiram a nossa atenção imediata, podemos passar a observar a posição em busca de uma táctica.
PRIMEIRO PASSO: Identificar os Alvos
Começamos numa ponta do tabuleiro e, como um radar, identificamos:
1 - o Rei;
2 - Material desprotegido ou defendido pelo mesmo número de peças que o número de atacantes;
3 - Casas VIP.
O Rei está em a2.
Peças desprotegidas: peão e4, Cg2 e Bg7
Peças defendidas pelo mesmo número de peças que o número de atacantes: peão b3
(Como só temos uma Torre para atacar - o nosso Rei está inactivo porque está longe - não podemos aumentar o número de atacantes, pelo que este alvo não nos interessa)
Casas VIP: não há - não conseguimos ameaçar mate.
SEGUNDO PASSO: Verificar se há Linhas de ataque
Para cada Alvo identificado, vamos determinar as linhas pelas quais ele pode ser atacado.
Como só temos uma Torre e as Torres andam apenas nas colunas e nas filas,
basta determinar as linhas que ficam nas mesmas filas e colunas dos alvos.
TERCEIRO PASSO: Activar a Peça
Quando encontrarmos um bom cruzamento de linhas de ataque, activamos aí o nosso ataque.
Vamos concentrar-nos nos pontos de intercepção das linhas de ataque:
A casa a4 permite atacar o Rei e o peão e4.
A casa e2 permite atacar o Cg2 e o peão e4.
A casa e7 permite atacar o Bg7 e o peão e4.
A casa g3 permite atacar o Cg2 e o Bg7.
A casa g4 permite atacar o Cg2, o Bg7 e o peão e4.
A casa g5 permite atacar o Cg2 e o Bg7.
A casa g6 permite atacar o Cg2 e o Bg7.
E agora resta verificar se podemos activar a nossa Torre para uma das casas de intercepção.
É possível?
É, pois! Há uma casa de intercepção na mesma fila da Torre.
Em termos de material, a posição estava equilibrada:
Brancas, 9 pontos: 3 peões (3x1), 1 Cavalo (1x3) e 1 Bispo (1x3);
Negras, 9 pontos: 4 peões (4x1) e 1 Torre (1x5).
Mas depois de ... Tg5 as negras vão ganhar material: as brancas podem fugir com o Bispo mas não têm como defender o Cavalo (3 pontos).
O exército negro ficou mais forte que o branco e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!
Já se percebe melhor esta coisa da PaLa do Sherlock Holmes?
Convém perceber porque é muito útil para lançar um ataque...
Último exercício, para acabar.
Posição 2
Jogam as brancas.
O que é que elas devem jogar?
As negras acabaram de fazer roque.
Por que é que ele fez esta jogada? Para proteger o Rei.
A Torre ficou a atacar alguma peça nossa? Não.
A Torre pode ir para alguma casa perigosa? A Torre pode ir para e8, d8 e c8, mas não ataca nenhuma peça negra.
Como não há perigos que requeiram a nossa atenção imediata, podemos passar a observar a posição em busca de uma táctica.
PRIMEIRO PASSO: Identificar os Alvos
Começamos numa ponta do tabuleiro e, como um radar, identificamos:
1 - o Rei;
2 - Material desprotegido ou defendido pelo mesmo número de peças que o número de atacantes;
3 - Casas VIP.
O Rei está em g8.
Peças desprotegidas: peão b7.
Peças defendidas pelo mesmo número de peças que o número de atacantes: Be7 (defendido pela Dc5, atacado pela Te1)
Casas VIP: h7 - conseguimos ameaçar mate se a Dama lá chegar apoiada pelo Bd3.
SEGUNDO PASSO: Verificar se há Linhas de ataque
Para cada Alvo identificado, vamos determinar as linhas pelas quais ele pode ser atacado.
TERCEIRO PASSO: Activar a Peça
Quando encontrarmos um bom cruzamento de linhas de ataque, activamos aí o nosso ataque.
Vamos concentrar-nos nos pontos de intercepção das linhas de ataque...
... e activar o nosso ataque!
Em termos de material, a posição estava equilibrada:
Brancas, 32 pontos: 7 peões (7x1), 1 Dama (1x9), 2 Torres (2x5), 1 Cavalo (1x3) e 1 Bispo (1x3);
Negras, 32 pontos: 7 peões (7x1), 1 Dama (1x9), 2 Torres (2x5), 1 Cavalo (1x3) e 1 Bispo (1x3).
Depois de De4, as brancas vão ganhar material: as negras podem evitar o mate em h7mas não têm como defender o Bispo (3 pontos).
O exército branco (23 pontos) ficou mais forte que o negro (20 pontos) e, por isso, a tarefa de dar xeque-mate mais facilitada: missão cumprida!