quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Operação «Elo em Loulé» (2/3): Terre degli Elimi 2015

 


Continuando a saga de tentar colocar jogadores de Loulé no ranking da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), depois de o António ter feito um brilharete no Oporto Open, era a vez da Cláudia entrar em acção.
Para a sua missão, no final de Julho / início de Agosto, havia quatro tabuleiros disponíveis:

- Em Portugal, a contar para o Circuito Nacional de Lentas 2014/2015, no qual já participara no Lisbon Christmas (Opens de Inverno também são bons, principalmente quando o lema é "#chessissexy"), decorreria o III Torneio Internacional Cidade de Famalicão, na jurisdição da nossa Associação de Xadrez do Distrito de Braga, que estaria recheado de caras conhecidas e a dois passos das tribos Apaxes de Braga, Guimarães, Vila do Conde e Porto;

- Em França, o 21.º Festival Internacional de Xadrez de Chambéry tinha diversas actividades paralelas (excursões, churrascada, passeio de bicicleta...) que de certeza que seriam uma mais-valia;

- Em Itália, a 6.ª edição do Festival Terre degli Elimi antecipava uma organização afinada e, desportivamente, um grau de dificuldade à medida do nosso desafio, sendo que o local da prova era numa cidade medieval no topo de um monte siciliano, mas muito perto da praia, o que logo transmitiu uma magia própria;

- Na Dinamarca, jogava-se um dos maiores e mais fortes Opens da Europa - a Politiken Cup 2015 - que dispensa apresentações a todos aqueles que passam os olhos pelas revistas e sites da modalidade. (Já foram anunciadas as datas para 2016: de 23 a 31 de Julho para, de acordo com a organização, ser possível receber até 500(!!) xadrezistas.)




Escolhemos Erice, o tabuleiro siciliano, e dificilmente outra decisão poderia ter sido melhor. Erice era tudo aquilo que antecipámos, mas maior, mais citadino e mais turístico, e a organização do Festival, bem como as equipas técnicas dos torneios, fizeram tudo o que estava aos seu alcance para que a estadia e a prova decorressem de forma muito prazerosa e amigável.


Ryanair, a melhor amiga do xadrezista de Verão :)
Faro - Porto - Paris Beauvais - Trapani

O Festival Internacional de Xadrez "Terre degli Elimi" é uma iniciativa do clube siciliano Amici della Scacchiera (Amigos do Tabuleiro) que teve como principal dinamizador Alessandro Monaco.
Desde o primeiro contacto, essencialmente através do chat do facebook, que o Alessandro Monaco fez justiça ao nome do seu clube. Uma vez que apenas nos inscrevemos a cerca de duas semanas do início da prova, o hotel da organização já se encontrava lotado...
 
... o que não é de estranhar: € 200,00 por 8 noites com uma vista destas para o Cabo São Vito é o que torna o turismo xadrezístico muito apetecível até para quem não distingue um peão de uma Torre :)

O Alessandro sugeriu, então, a Camere di Ulisse, cujo quarto n.º 12 tinha a mesma vista desafogada que o terraço comum para a cidade de Trapani, dezenas e dezenas de quilómetros de Sicília e do Mediterrâneo...

 ... incluindo o arquipélago de Égadi.

Tivemos uma bela estadia, graças também aos bons ofícios da Maria que nos desencantou uma lavandaria :) Grazie, Maria!!!


Outra excelente sugestão foi a do transfer entre o aeroporto, onde chegámos pelas 23:00 horas, e Erice, pelo preço que a Câmara Municipal de Trapani tabelou para o percurso entre o centro da cidade e o aeroporto, ou seja um percurso com menos 15 kms que só se consegue fazer em cerca de meia hora...
 
... é que Erice fica no cume do monte homónimo,

 - sempre sinalizado pelas nuvens (é do ciclo da água :P),



a cerca de 750 metros do nível do mar -,
na base do qual fica Casa Santa e, depois, Trapani.


Lembra a relação geográfica entre Loulé e Faro...

... com a grande vantagem de existir um funicular que faz em 10 minutos aquilo que os automóveis só conseguem em 30.


O Festival "Terre degli Elimi" homenageia, logo literalmente, a Terra dos Elímios, povo que habitou a zona ocidental da Sicília, antes da chegada dos Fenícios e dos Gregos. Nesta zona da ilha, Erice era um centro religioso onde sobressaía o templo dedicado à deusa da fertilidade "nel quale si praticava la prostituzione sacra", entretanto destruído e substituído pelo Castelo de Vénus.


Castello di Venere: origem de muitas doenças venéreas? :P


Voltando ao que nos levou à Terra dos Elímios:


O Festival foi composto por três torneios: o Open A, para jogadores com mais de 1800 pontos de elo; o Open B, para jogadores com menos de 2000 de elo; e o Open C, para jogadores com elo inferior a 1500 pontos.

Como o nosso objectivo era defrontar adversários mais fortes com os quais pudéssemos testar a nossa evolução e, eventualmente, conseguir colocar mais uma xadrezista de Loulé no ranking da Federação Internacional de Xadrez,


... a Cláudia, que podia participar no Open C, optou por jogar no B, onde era a 5.ª jogadora do ranking... a contar do 45.º e último jogador participante...


... e eu, que podia ser um do top-6 inicial do Torneio B, optei por ser peixinho no lago dos tubarões do Open A, sendo aqui também do top-6, mas a contar do fim dos 63 participantes!

Estávamos preparados para, caso a coisa corresse mal,
regressar com 0/9 pontos cada um...


... mas, para compensar, com mais 9 kgs bem merecidos!



O Festival começou com uma Cerimónia de Abertura no Teatro Gebel Hamed em que todos os participantes receberam as boas-vindas...



 ... as senhoras acompanhadas por uma rosa.



As salas de jogo ficavam no Palácio Sales,


onde foram criadas todas as condições para que a prova decorresse com conforto e acessibilidade,


com a constante supervisão da equipa técnica: Giuseppe Cassia (Árbitro Nacional) e Piero Arnetta (Árbitro FIDE), aqui com Ágata Marzaduri, do Centro de Xadrez Aci Castello - Catania, organizadora do Open de Inverno do Etna que decorrerá nos dias 4 a 8 de Dezembro.




Ao fim de poucos dias já dominávamos ruas e ruelas, e estávamos capazes de defender a nossa carteira dos preços para turistas das lojas de artesanato e dos restaurantes.



À excelente sugestão da organização - o La Rustichella, onde uma pizza dá para duas pessoas (a Campagnola e a Frutti di Mare são top), o menú turístico para três e o cannolo siciliano (imaginem uma língua da sogra recheada com requeijão doce...) com pepitas de chocolate servido pelo António é absolutamente divinal -, rapidamente juntámos outras:


o café do Caffè S. Rocco


Caffè San Giuliano

Além de deliciosas bruschettas XL e sumos a condizer, tinham sempre a passar música tradicional e a simpática proprietária ainda me ensinou uns passos de dança ao som do friscalettu.

Logo a seguir, onde estão as pessoas, fica a Solstizio, uma loja de lembranças e artesanato que pertenece ao Antico Borgo, onde fomos muito bem recebidos. Uma das peças mais repetidas é o aviso Attenti al gatto...


... de maneira que quando nos cruzámos com alguns espécimes locais, não nos aproximámos muito! :)

Outros bons restaurantes: La Prima Dea (excelente omolete num pátio muito agradável), La Pentolaccia (massa deliciosa... num pátio muito agradável :P)...

Arranjámos, também, o nosso local de celebração, depois do primeiro convite, feito na rua, pelo melhor Mestre de Cerimónias de Erice:


Nas poucas vezes em que não perdemos Sempre que ganhávamos ou empatávamos...



... esforço que nos deixava desidratados e, por vezes, desfigurados...



 ... festejávamos o feito de forma apropriada com um dos aperitivos servidos pelo Dário e seus companheiros na varanda panorâmica do Caffé Maria, com vista para o pôr do sol no Mediterrâneo.


Mais um ponto de contacto entre culturas:
Se Erice é uma versão citadina de Marvão ou Castelo de Vide, que dizer da doçaria tradicional local da Pasticceria di Maria Grammatico quando comparada com a algarvia, aqui representada pelos Doces às Cores louletanos?


Mas não se pense que só lá fomos comer!


Ou beber...
(Embora o limoncello local, tipo kryptonite, fosse uma boa arma secreta para derrotar os super-xadrezistas que enfrentámos.)



Oficialmente, só deixámos dois monumentos para trás!
(mas temos até 1 de Novembro para lá ir :P)


Vista panorâmica do Castelo.

Infelizmente, outra semelhança com Portugal é a época de incêndios.
Quem ficou no hotel principal teve mesmo que ser evacuado, por precaução, na madrugada do fogo.


O incêndio chegou perto das habitações, mas em progressão controlada pelo olhar dos bombeiros no terreno e pela pontaria certeira dos aviões.


A Torreta Pepoli vista do Castelo de Vénus.



Dificilmente a arquitectura poderia ser mais temática.



A calçada nem sempre era do agrado das sandálias e dos saltos das senhoras.


Nem da barriga deste senhor...


... quando o circuito Torretta Pepoli - Quartiere Spagnolo foi feito por aqui.


Mas caminhada a sério foi quando percebemos que Trapani não era Casa Santa,
numa exploração de 15 kms...


... aprendemos depressa e passamos a obliterar a senha de autocarro. Deu para eu matar saudades do 78 dos STCP e da sua máquina cor-de-laranja que me levava para o Grupo de Xadrez do Porto!




A primeira praia de Casa Santa, com o Monte Erice ao fundo e os moinhos no areal.



E o centro de Trapani.

(C'est vrai, Jeremiasz! :P)


A única coisa que não percebemos bem era o motivo deste mar revolto merecer bandeira amarela (em algumas praias, vermelha!!)


A Cláudia ainda pensou que fosse por temerem o ataque de um tubarão branco junto à costa...


... mas era falso alarme!
 
O único tubarão branco era eu...


Última curiosidade: não me lembro de ver nos restaurantes um único acompanhamento com batata frita. Não será muito habitual, mas eles não se perdem: em Trapani, junto às gelatarias-de-chorar-por-mais há uma loja especializada em cones de batata de frita e, novidade absoluta...
Espetada de Batata Frita à Inglesa!
Acompanha apenas com um dos vários molhos que têm à disposição.


Voltemos ao torneio que isto é um blog dedicado e somos todos profissionais interessados.



No Open A, este tubarão de aquário sobreviveu no tanque dos verdadeiros tubarões-brancos. 58.º do ranking inicial, não joguei com ninguém abaixo de mim. Terminei no 54.º lugar com 6 batatas, 2 empates e 2 vitórias, uma performance de 1954 que me deve reaproximar dos 1900 pontos elo na lista de Setembro.

Foi assim:

1.ª Jornada: 
de brancas contra


Vjacheslav Ryzhkov (Rússia, 2144)



Uns lances antes, capturara em g3 com o Ce2, em vez o peão h2, convencido que Cd5 tiraria a iniciativa das negras (contra Bh6 Cxf6+).

O meu simpático adversário russo respondeu com c6 e o resto não é bonito de se ver:


No final, ainda disse ao Vjacheslav que esta partida foi um bom aquecimento para o prémio de beleza. E realmente ele participou na partida premiada. Só que aí o tubarão de aquário foi ele e o verdadeiro tubarão o GM Denes Boro (partida disponível na parte final do artigo).


2.ª Jornada: 
de negras contra


WFM Maria Teresa Arnetta (Itália, 2012)
- 4x Vice-Campeã de Itália -



Em Erice e contra uma palermitana, tinha que tentar a Defesa Siciliana.

A posição ficou boa - com as peças brancas todas na fila 1 e todas as peças negras activas, tinha que haver um ataque vencedor. No entanto não encontrei melhor 28. ... De4 e depois de 29. Bg5 Bg3, 30. Td2, o meu potencial esfumou-se.

O ataque deveria ter seguido com 28. ... Bh2+! 29. Rxh2 Txf2 com pressão vencedora sobre g2 (3 atacantes vs 2 defesas) ou, no caso de 30. Td2 Txf1 +-.

A partida resolveu-se a cinco jogadas do controlo de tempo, quando ambos tínhamos apenas um minuto no relógio:
  

36. Bc1, o erro que consegui aproveitar para obter a primeira vitória sobre um Mestre.



3.ª Jornada: 
de brancas contra


Luca Varriale (Itália, 2142)



Nesta posição identifiquei dois lances candidatos: Bxc6 e Cxf7.

No primeiro, abandonei a linha depois de ver Bxc6 bxc6, Cf3 exd4, com peão a menos. No entanto, era possível continuar com Bxa5! (se Dxa5, Txe8 mate) e as brancas continuariam melhor.

Optei por sacrificar o Cavalo em f7 e o Luca demonstrou com exactidão que as negras não tinham por que recear a massa de peões centrais brancas.


4.ª Jornada: 
de negras contra


Mate Karkovic (Croácia, 2009)

Esta partida, contra aquele que viria a ser o vencedor do escalão "> 60 anos", foi um autêntico carrossel. 


Táctica...


... contra táctica,


 a vantagem passou várias vezes de um jogador...


 ... para o outro.


Estive mesmo completamente perdido...


... mas como tudo pode acontecer ...


... e "até ao lavar dos cestos são vindimas" ...


... a vitória acabou por me sorrir.


Uff!


5.ª Jornada: 
de brancas contra


Andrea Favaloro (Itália, 2116)



Joguei f4 que perde a partida por causa de e6.
(Se Cd5-e3, as negras jogam Cf3+ e depois a sua Dama captura a branca.)

Como na partida com o Luca Varriale, ainda lancei um ataque e fiquei com uma massa de peões centrais, mas o Andrea Favaloro mostrou facilmente a força da sua vantagem material.


6.ª Jornada: 
de negras contra


Alessandro Santagati (Itália, 2204)


Perdi este final numa maratona de várias horas e mais de 80 lances.


Curto-circuitei aqui: Tf3 perde; f1=D empatava.

Não é fácil chegar ao fim fresco :)
Foi pena, pois a posição nem é complicada e o empate era um bom resultado contra o jogador com mais elo que defrontei neste torneio.


7.ª Jornada: 
de brancas contra


Jeremiasz Konopka (França, 1935)

Dirigente, jogador e treinador no Cercle d'échecs de Bois-Colombe, equipa parisiense que parece ter espírito APAXE ("Comme tous les étés, les bois-colombiens s'éparpillent, qui à la mer, qui à la champagne, qui en ville..."), transforma-se em lobisomem quando se senta ao tabuleiro :)


Com 5 minutos para fazer 10 lances, mais um desvario.

30. Txc1 e não consegui mais que um empate.


8.ª Jornada:
de brancas contra


Andrea Difronzo (Itália, 2060)


Esta partida terminou empatada num final R+T+2 vs R+T+2, aparentemente sem grandes falhas.

A minha oportunidade para melhorar talvez fosse nesta posição: em vez de trocar Cavalos, jogar bxc5 seguido de e5, mas tive algum receio pelo futuro da minha estrutura de peões.


9.ª Jornada:
de negras contra


WFM Alessia Santeramo (Itália, 2085)
- Campeã Italiana em 2014 -


Esta parece-me ser um dos lances definidores da partida: as brancas pretendem lançar um ataque na ala de rei e as negras confiam que esse ataque não pode ser bem sucedido, por falta de preparação, e que terão bom contra-jogo na ala de dama e na coluna C.


Com 5 minutos para fazer 7 lances, precipitei-me e deixei de estar à espera.
33. ... f5 cria muitas debilidades posicionais e as brancas ficam melhor depois de capturarem na passagem, como fizeram.


 
As rifas do Festival, para ajudar a equilibrar as contas.
 

No andar de cima do Palazzo Sales, a Cláudia começou o Open B na 41.º posição, sendo um dos sete participantes que não constavam do ranking internacional.

Nas primeiras quatro jornadas andou a aprender como os tácticos funcionam.


No primeiro jogo, contra Andrea Musso (Itália, 1674),  capturou o Cd4 com a Dama, em vez de com o Bispo, e o garfo com o peão de D garantiu a vantagem de uma peça às negras.



Na segunda partida, o Joren de Bode (Bélgica, 1593), resolveu a contenda com um xeque a descoberto - 1. Cdc3+ (xeque com o Bb3) Rh8 - seguido de 2. Cxe4, ganhando a Dama.


No terceiro encontro, o Andrea Bassoli (Itália, 1584) suou.
A Cláudia conseguiu cercar o Ca5 que, depois de b2-b4, foi atacado e não tinha nenhuma casa segura para fugir.


No entanto, as brancas demoraram muito tempo a terminar o seu desenvolvimento e as negras não só conseguiram entrar na oitava fila como se proporcionou uma pregagem do Bd4 à Td5 que as deixou em vantagem. Foi a primeira amostra de que a «Operação "Elo em Loulé"» poderia ser bem sucedida.



Na quarta partida que disputou com Nicolo Trouco (Itália, 1615), a posição da Cláudia só desmoronou nos apuros de tempo. A jogar há já alguns lances no último minuto disponível antes do controlo, deixou as Torres descoordenadas e as brancas aproveitaram para dar um duplo de Cavalo.


Na quinta ronda, a Cláudia ficou isenta, ganhando um ponto.



A sexta partida, contra Mario Adriaans (Holanda, 1469), terminou como a segunda: com um xeque a descoberto seguido da captura da Dama.

Mas as semelhanças acabam aqui.
Nesta altura do campeonato, a nossa jogadora já parecia uma viciada do Candy Crush!!


(Diz que quando fechava os olhos via peças no tabuleiro, e até já conseguia identificar cada casa pela sua coordenada!)

Cheguei a temer o pior.
A seguir, ou vinha um brilharete ou o resto das férias seriam numa casa de repouso...
Felizmente, não correu mal!


Cláudia Monteiro 1 - 0 Paollo Venturella

Com dois pontos amealhados, mas nenhum contra jogadores do ranking internacional, as duas partidas que faltavam seriam decisivas para o sucesso da «Operação "Elo em Loulé"».

Na oitava jornada a Cláudia subiu para defrontar Federico Parrinelo.


Numa posição em que as negras tentavam jogar contra o Rei branco - que ainda não fizera roque - e as brancas contra o peão d5 (alvo que se encontrava atacado por 3 peças e protegido por outras 3), as brancas ganharam vantagem ao afastar um dos defensores do peão com Cf4.
Jogou-se: 19. Cf4 De5 20. Bxf6 Dxf6 21. Bxd5 Cxd5 22. Cxd5 Df3 23. Cxe7+, com vantagem branca.

Ficou tudo para resolver, então, na nona e última ronda do campeonato.

Qualquer resultado que não a vitória não serviria...

Será que a Cláudia iria demonstrar mérito para ingressar no ranking internacional de xadrez??

Salvatore Norrito (1520) - Cláudia Monteiro (0)
6.º Terre degli Elimi, Open B, Erice, 4 Agosto 2015
Mesa 20

1. e4 e5 2. d4 exd4 3. c3 d5


4. e5

Uma posição nova para a Cláudia que responde com 4. ... Cc6, desenvolvendo uma peça e controlando duas casas centrais (e5 e d4).

As brancas fortalecem o centro com 5. cxd4.
As negras jogam 5. ... Cb4, o que não pode ser considerado uma boa jogada:



Este lance viola o princípio da abertura que diz que uma peça não deve ser jogada duas vezes na fase inicial do jogo, a não ser que haja boas razões que, nesta posição, não se vislumbram.
Com efeito o Cb8 foi para c6 (1) e depois para b4 (2), sendo que a sua nova localização não cria nenhuma ameaça, pois todas as casas que passam a estar à sua disposição estão controladas pelo exército branco.

As brancas convidam as negras a mostrar as suas cartas com 6.a3.
E as negras reconhecem o bluff, recuando o Cavalo novamente para c6: 6. ... Cc6.

7. Cf3: a falta de iniciativa das negras é aproveitada pelas brancas para desenvolverem uma peça.
As negras mergulham de cabeça para um jogo vertiginoso:



7. ... f6?!

As negras promovem o confronto com o peão central branco e abrem as hostilidades: o Cf3 fica sem a casa g5 disponível, mas o Rei negro pode agora ser atacado pela diagonal h5-e8, sendo que o avanço f7-f6 também deixou a casa e6 sem a protecção de nenhum peão.

8. Bf4 Be6
Os dois jogadores desenvolvem o Bispo da ala da Dama, procurando alguma influência no centro.


9. Be2
As brancas preparam-se para proteger o Rei fazendo roque pequeno.

Mais difícil é perceber como é que as negras podem terminar o seu desenvolvimento...

A Cláudia escolheu 9. ... g5!?


Aproveitando o controlo obtido com 7. ... f6, as negras não receiam abrir a ala de Rei e mostram que querem luta.

10. Bg3 - fugindo ao ataque do peão
10. ... g4 - continuando o ataque de baioneta, agora tendo como alvo o Cf3.


11. Ch4
O Cavalo protege-se fugindo e permite o ataque a descoberto ao seu agressor que está agora a ser ameaçado por duas peças brancas e protegido apenas por uma negra.

O peão de g4 poderia ser protegido através de Cg8-h6 ou de f6-f5.
Na partida, as negras optaram por outra continuação:

11. ... Dd7

E as brancas colocaram mais pressão na casa g4 com o lance 12. h3.


Agora, uma vez que as negras estão atrasadas no desenvolvimento (Cg8+Bf8 vs Cb1),
 talvez fosse uma boa ocasião para pôr ordem na casa
e eliminar os focos de tensão com 12. ... gxh3 ou 12. ... fxe5.

Mas a Cláudia estava a jogar para o escalpe!



12. ... h5?!
As negras fragilizam mais uma casa na sua ala de Rei e convidam as brancas a avançar.

13. Cg6 - aproveitando o facto de o peão de h ter deixado de controlar a casa g6 ao sair de h7.
13. ... Th6 - para fugir ao ataque do Cg6.

14. Cxf8 - retirando às negras a vantagem de ter o par de Bispos e...
14. ... Rxf8 - ... agora as negras já não podem fazer roque grande e o seu Rei poderá ser atacado mais facilmente.

Seguiu-se:

15. exf6

Provavelmente com ideia de desimpedir a coluna E para a entrada da Dama ou de uma Torre.

Mas a Cláudia não se intimida e segue no «Tudo ou Nada!»:

15. ... gxh3!? - jogo corajoso: se as brancas não conseguirem atacar o Rei negro, as negras terão as suas peças bem posicionadas para tentar obter contra-jogo.

16. gxh3 


16. ... Bxh3

Equilibrando a partida: as negras estão momentaneamente impedidas de fazer roque pequeno, a ala de Rei - sem os peões de h e g - já não é um sítio apetecível para o Rei branco que, se se mantiver no centro, será pressionado pela Ta8.


As brancas continuam com


17. Bxh5

Um erro táctico que poderia ser severamente punido, aproveitando-se o facto da Th1 estar desprotegida:


17. ... Bg4 ganhava material.
O Bg5 ficaria pregado à Th1 e poderia ser capturado de seguida.


A partida continuou com


17. ... De6+
aproveitando a coluna E aberta
e que também dá vantagem às negras.

18. De2 - defendendo o xeque com a interposição da Dama
18. ... Cxd4 - recuperando o peão

19. Dxe6 - eliminando a principal peça de ataque negra

E agora as negras podem capturar a Dama branca de Cavalo ou de Bispo.


A Cláudia escolheu a melhor continuação:

19. ... Bxe6

mantém as brancas sobre grande pressão: de um lado do tabuleiro há a ameaça de um duplo de Cavalo; do outro, o Bh5 e a Th1 estão presos à sua defesa mútua.


20. Rf1 - para evitar o xeque de Cavalo em c2
20. ... Cc2 - mas ele aterra lá de qualquer modo


e as brancas, provavelmente não vendo que contra
21. Ta2 d4
era possível defender o ataque a descoberto do Be6 à Ta2 com b2-b3,
jogam



21. Cc3??

Dando a Torre sem qualquer compensação

21. ... Cxa1 22. Bxc7 Cxf6

As brancas não atiraram a toalha ao chão e seguiu-se:

23. Bd6+


E o Rei negro não pode ir para uma casa branca:

23. ... Rg8? 24. Bf7+ Rxf7 25. Txh6,
virando-se o feitiço contra o feiticeiro...

A Cláudia manteve o Rei nas casas pretas com

23. ... Rg7


Continuou-se com:

24. Tg1+ Rh7
25. Bf3 Tg8 - "Quando se está com vantagem material, trocam-se peças e não peões", para diminuir a resistência do defensor.
26. Bg3 - "Quando se está com desvantagem material, trocam-se peões e não peças", para diminuir a possibilidade de haver uma promoção a Dama.


26. ... d4

Aproximando o peão da casa de promoção e ganhando espaço para activar as peças.

27. Cd1 Bc4+
28. Re1


28. ... Te8+

Trazendo mais uma peça para o ataque ao Rei que começa a ter poucas casas disponíveis.

29. Rd2


29. ... Cb3+

Continuando o abraço da jiboia...

30. Rc2


30. ... d3+

Um aperto mais...

31. Rc3

tentando contra-atacar


31. ... b5

Protegendo o Bc4 do ataque do Rc3

As brancas continuam a tentar ganhar a iniciativa...


32. Bf4

atacando a Th6 e cortando a saída do Rh7 do canto do tabuleiro.

É tempo de decisões:

Defender e estabilizar a posição ou ir buscar o escalpe?


32. ... Ce4+

Velho adágio na sala do GX Porto:
"Um xeque dá-se sempre, pode ser que seja mate!"

33. Bxe4


33. ... Txe4!

Sacrificando a Th6

34. Bxh6


34. ... Te2

Vendo apenas o escalpe do Rei, e nada mais!

35. Be3


35. ... Tc2+

e as brancas abandonaram para não ver a finalização.

0 - 1

Seguir-se-ia um bonito mate de peão:


36. Rb4 a5#

... com uma grande poça de sangue!

E foi assim, ao mais alto nível, que a Cláudia terminou a sua prova.
 
Uma performance de 1303 pontos que a deverá incluir na Lista de Elo da Federação Internacional de Xadrez de Setembro de 2015.
 
OPERAÇÃO «ELO EM LOULÉ»
MISSÃO II - CUMPRIDA!
 
  
 
Desempenho que lhe valeu uma subida ao palco...
 
 
 
... para receber o seu prémio ...
 
 
... na cerimónia de encerramento do Festival ...
 
 
... onde até recebeu os parabéns da simpática WGM Sabrina Vega Gutierrez (4.ª classificada do Open A),
aqui ladeada pelo presidente dos Amici della Scacchiera, Salvatore Oddo, e pela WFM Maria Teresa Arnetta,
 
 
As classificações e os resultados estão disponíveis aqui.
 
 
Primeiro Classificado:
MI russo Sergei Matsenko
 
 
Segundo Classificado:
GM húngaro Imre Hera
 
 
Terceiro Classificado:
GM argentino Salvador Alonso
 
 
 
GM Denes Boro

Vencedor do prémio "Enza e Nino" que premiou a melhor combinação do torneio, atribuído em memória de Enza e Nino Bertino, os pais do CM Giacomo Bertino que felicitou pessoalmente o vencedor.
 
 
 
GM Denes Boro 1 - 0 Vjacheslav Ryzhkov
 
 
 
 
O italiano Michel Bifulco foi um dos jogadores que fez norma, tal como o primeiro classificado Sergei Matsenko.
 
 
 
O Festival terminou com uma foto de família.
 
 
 
 
Foram umas óptimas férias num torneio extraordinário.
 
Haja companhia que é para repetir!
 
Arrivederci, Amici della Scacchiera!