sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Deixemos os Reis decidir o resultado da partida

Em comentário a um post anterior, António Viriato Ferreira sugeriu o atrevimento para a análise de partidas alheias. Realçando que os erros de análise e as críticas, positivas ou negativas, são inevitáveis, adiantou esta técnica como uma boa ferramenta de trabalho que, aos leitores, ajudaria a dar uma ideia das possibilidades que surgiram na partida.


Esta questão de perceber o que se passa nos jogos entre jogadores muito fortes, lembrou-me a proposta de Mehrdad Pahlevanzadeh, árbitro e organizador iraniano com funções de dirigente na Federação Asiática de Xadrez, que li na ChessBase e que aqui reproduzo, por me parecer uma ideia curiosa.



Deixemos os Reis decidir o resultado da partida
Uma proposta de Mehrdad Pahlevanzadeh

Há mais de cem milhões de pessoas no mundo que sabem jogar xadrez, mas apenas cem mil xadrezistas têm elo FIDE. Isto significa que em cada 1000 jogadores, apenas 1 consta do ranking internacional.

Nos encontros do Campeonato do Mundo, quando um atleta abandona a partida, mesmo alguns dos xadrezistas com elo são incapazes de perceber com facilidade por que é que o jogador desistiu.
Consequentemente, os jogos do Campeonato do Mundo de Xadrez não são perceptíveis para 99,9% das pessoas que conhecem as regras.

Se admitirmos que o apoio dado a um desporto depende do seu número de adeptos, então será verdadeira a conclusão de que quantas mais pessoas percebem o que se está a passar, mais o irão acompanhar.
Assim, se conseguirmos tornar o xadrez mil vezes mais perceptível, mais pessoas (público) se vão interessar pela modalidade.

Se os jogadores continuarem os seus jogos até ao xeque-mate, todos os espectadores poderão compreender, pelo menos, a parte final dos encontros. E como percebem as partidas, vão gostar mais delas.
Acontece que actualmente há a tendência para cortar o fim de uma boa estória e, consequentemente, os jogos tornam-se incompreensíveis, logo chatos, para a maioria dos fãs.



Mehrdad, à esquerda, explica a sua proposta ao forte xadrezista, professor de matemática, Christian Hesse.


Como consequência de se terminar o jogo só com o xeque-mate:

- à semelhança de outros desportos, como o futebol, pelo menos os últimos dois ou três lances podem ser transmitidos nos blocos noticiosos desportivos, e estes lances serão interessantes e instrutivos.

- todos os espectadores que assistam ao vivo às partidas vão apreciar mais as partidas e tentarão adivinhar os últimos lances, que serão os mais fáceis para eles. A parte final das partidas será entusiasmante.

- vão ser efectivamente jogadas boas combinações de mate em partidas.

(...)

- os amadores seguirão ao vivo as partidas jogadas ao mais alto nível e terão prazer em adivinhar os últimos lances dos campeões, o que aumentará gradualmente a sua força de jogo.

- os mais novos lutarão até ao fim dos jogos, e a sua técnica e capacidades defensivas vão melhorar, tal como as restantes. A má prática, comum em vários jogadores, de abandonar precocemente, desaparecerá.


Não proponho uma alteração radical das regras do xadrez. Muitos jogadores fortes e Grandes Mestres (como Vladimir Kramnik) já defenderam que esta é uma ideia concretizável que pode ajudar a publicitar o xadrez.
Lanço o repto ao organizadores de provas para que apliquem esta regra em torneios especiais ou jogos de exibição, lembrando que a Regra de Sophia, agora tão natural e aplicada tantas vezes que parece uma regra já adoptada, pareceu muito estranha quando foi introduzida.

Os xadrezistas profissionais têm que decidir se esta proposta aumentará a publicidade do jogo e, em consequência, se afectará rapidamente as suas receitas.
Para os espectadores, ela traduzir-se-á na possibilidade de aprenderem mais sobre o jogo a partir do final, e assim começar a perceber como as fases anteriores da partida se relacionam com a última.



Para terminar, deixem-me pedir que imaginem como seria o futebol se a FIFA permitisse que as equipas abandonassem o jogo quando achassem que não tinham hipóteses de vencer ou empatar; ou pior: o que aconteceria se as equipas pudessem acordar um empate antes de decorridos os 90 minutos, ou alguns segundos após o apito inicial. É isto que estamos a fazer no xadrez.

7 comentários:

Unknown disse...

Tiago,
Parabéns pelo artigo.
Estou completamente de acordo, e, acho que todos os que gostam do xadrez, deveriam fazer com que o mesmo seja uma coisa mais série, do maior parte das vezes é.
Quando todos levarmos este jogo com mais seriedade, todos terão a ganhar.
Um abraço
Afonsov

Tiago F. Pinho disse...

O artigo não é meu, só o traduzi :)

Mas esta proposta traz umas achegas interessantes.

Creio que mesmo para aqueles que estão mais afastados da barricada do xadrez enquanto desporto, poderão descobrir alguma utilidade na democratização do jogo.

Afinal o que é que torna, por exemplo, o futebol tão fascinante? Para mim, é o facto de o jardineiro poder discutir com o Catedrático de Botânica, de igual para igual, se houve ou não fora de jogo.

A regra do fora do jogo não é completamente imediata. Mas o facto de a maior parte das pessoas a perceber, é meio caminho andado para mandar uns bitaites sobre ela, a jogada, os jogadores, a equipa, a competição, o desporto...

Daí aos debates televisivos e à imprensa esecializada, asseguradas que estão as audiências e os leitores, é um pequeno passo.

Esta proposta pode ser um bom ponto de partida para uma reflexão interessante. Já esteve em Dresden e chegou à FIDE.

Vamos lá ver o que lhe fazem.

Joaquim Machado disse...

Concordo em absoluto, julgo no entanto que a sua aplicação não será fácil.
Tambem eu (principalmente eu), quando vejo os jogos terminarem, quando para mim ainda vão a meio, fico um pouco "à toa" e sem perceber nada do que ali se passou.
Normalmente chamo o meu filho e ele explica-me logo porque é que o jogador abandonou "tão cedo", fácil para quem percebe.
Entendo no entanto que para quem sabe "da coisa", prolongar um jogo com um fim inevitável, não fará sentido e apenas levará a um desgaste psicológico desnecessário.
O que sei e é nesse aspecto que concordo inteiramente com este artigo, é que levar o jogo até fim, aumentará o "espéctáculo" e torná-lo-á mais acessivel ao comum dos mortais que apenas se diverte no tabuleiro.
Cumprimentos
Joaquim Machado

Tiago F. Pinho disse...

Outra coisa que gosto muito mas acontece pouco é ter um comentador.

No xadrez é raro acontecer nas transmissões online, mas não há transmissão desportiva (na net ou na tv... na rádio é óbvio :P) que os dispense.

António Viriato Ferreira disse...

O Torneio de Bilbao 2008 foi um optimo exemplo de trasmissão online com comentarios e imagens.
Em Portugal, já me dou por satisfeito quando nos torneios de cássicas tenho a possibilidade de ter acesso às partidas.
A ideia de jogar as partidas até ao fim, entre outras coisas, evita os empates de salão.
Mas, como disse anteriormente;
se estamos num Pais onde a preocupação de publicitar as partidas jogadas é quase nula e onde transmitir semi-rápidas em directo via internet é uma extravagancia...
Já agora, por causa da promoção do xadrez;
Sou a favor, dentro do possivel, de efectuar todos os torneios em altura de verão ao ar livre ou numa estructura envidraçada, mais uma vez, como aconteceu em Bilbao.
Que se faça um torneio como o da Figueira da Foz, por exemplo, em Pleno Rossio, a ver se os media não aparecem mesmo que nada lhes seja comunicado.
O xadrez está como está em Portugal também por falta de promotores (lêr vendedores) da modalidade.
Cumprimentos a todos !

Anónimo disse...

Abraços do Brasil. Quanto a matéria publicada, excelente. Quanto a proposta, tenho lá minhas dúvidas, xadrez é peculiar, acho prematuro a comparação do xadrez com outros esportes, mormente quando se fala em futebol. Todavia, entendo que algo deveria ser feito para que se evitasse sucessivos empates.

Tiago F. Pinho disse...

António Viriato Ferreira,

Estou de acordo, Bilbao é um excelente modelo e há falta de promotores da modalidade.

Temos, todavia, muitos organizadores de torneios e muitas provas para quem está num nível de iniciação/aperfeiçoamento. E isso acontece porque, por um lado, essas provas são "amadoras" e só o facto de elas existirem, para aqueles organizadores e respectivos jogadores (participantes pouco exigentes), já é bom.
Basta ver que a maioria dos organizadores são elementos da estrutura (FPX, Associações Distritais, Clubes...) e que as provas não visam o lucro.

E é o lucro que os promotores/vendedores querem, nisso se distinguindo daqyeles tradicionais carolas, que não são menos importantes.

A questão é que o xadrez não gera receitas, desde logo porque não tem nem público pagante nem jogadores suficientes cuja taxa de inscrição garanta um "bolo" suficiente para pagar o último elemento da cadeia - o pagamento do promotor vem depois de tudo o resto (da promoção, do espaço, dos jogadores...).

Neste momento, os (poucos) investidores do xadrez nem sequer esperam feedback comercial. Normalmente procuram vantagens fiscais, embora haja alguns mecenas que ajudam por terem uma ligação particular à modalidade (são pais, amigos, jogadores de algum agente desportivo).

O xadrez, se quiser evoluir como indústria, tem que potenciar o mercado: estimular a procura, formando público. E é nesta questão da formação do público que encontro mais mérito nesta proposta.


TradeChess,

Por cá também há muita gente que levanta reservas a ter o futebol como exemplo para o xadrez. E há razões para isso: o futebol que se fala não é o dos campeonatos distritais, é a indústria que passa na TV enquanto produto desportivo para as massas, enquanto que o xadrez é tradicionalmente um jogo entre dois xadrezistas sem (com pouquíssimos?) destinatários.

A questão é a de saber se o xadrez deve, ou não, ser mais do que um jogo entre duas pessoas.

Se a resposta for negativa, tudo está bem como está. "Quem está de fora racha lenha", e os jogadores jogam se quiserem, empatam se quiserem, abandonam se quiserem, e ninguém tem nada a ver com isso.

Mas se for positiva, há que equacionar os "direitos" de quem vê, sendo que o xadrez para o público é o que mais se aproxima do xadrez artístico: se ninguém vir uma escultura, ela pode ser considerada uma obra de arte?

Por isso, penso que a democratização do xadrez, através da sua massificação, não tem que ser uma coisa necessariamente má.

Para dificultar os empates, a tal Regra de Sophia já proíbe propostas de empate até ao lance 30.º.

Quanto a esta proposta, gosto dela porque, sendo o mate o objectivo do jogo, é o fim do jogo que é beneficiado.
Pessoalmente, introduzir-lhe-ia algumas limitações. Por exemplo, nos finais teóricos (Rei e Torre vs Rei, Rei e Dama vs Rei, Dois Bispos vs Rei...) seria possível abandonar, uma vez que estas técnicas mais simples podem ser facilmente apreendidas e são "mecânicas", enquanto que as combinações de mate, mesmo os padrões mais conhecidos, é que são "artísticos".

Isto é, as pessoas não têm gozo ao ver um mate de Rei e Dama vs Rei. Mas se houver um sacrifício de peça no roque, o xadrez é espectacular...

A surpresa e a inovação é que atraiem.