quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Teoria, Prática e outros.

Por Guillermo Campitelli e Fernand Gobet em ChessBase.com
Guillermo Campitelli é doutorado em psicologia, professor universitário e treinador de xadrez. Fernand Gobet é também doutorado e professor de psicologia cognitiva, além de Mestre Internacional e jogador da selecção suiça.

15.01.2009
Há uma relação entre ser destro, canhoto ou ambidestro e a competência xadrezística? Há um período crítico para aprender a jogar xadrez? Quanto tempo se demora a alcançar um elo de 2200 pontos? Os Professores Campitelli e Gobet descobriram que há uma menor percentagem de destros a jogar xadrez do que na população em geral, que 12 anos é o limite máximo para começar a estudar xadrez e que demora, em média, 11.000 horas de treino para alcançar os 2200 pontos.

Qual é o papel do talento e da prática no percurso para alcançar um nível elevado de competências? Esta questão tem atraído alguma atenção recentemente na psicologia, em áreas como a música e o desporto (veja-se, por exemplo, o estudo de Robert Howard). Durante muitos anos, estudámos vários aspectos da psicologia do xadrez, como o papel da visualização, o método decisório dos xadrezistas e as estruturas cerebrais que alicerçam o conhecimento xadrezístico. Também abordámos a questão do talento/prática em estudos recentemente publicados nas revistas Developmental Psychology e Learning and Individual Differences [1]. Aqui sublinhamos as descobertas mais importantes.

Pedimos a um grupo de xadrezistas argentinos (3 GMs, 10 MIs, 13 MFs, 39 não titulados com elo FIDE e 39 jogadores sem elo internacional) que respondesse a um questionário dividido em três partes.
A primeira tinha diversas perguntas relacionadas com questões práticas (por exemplo, "Utiliza bases de dados?", "Tem um treinador?", etc.).
A segunda continha uma grelha na qual os jogadores deveriam indicar o número de horas que dedicavam ao xadrez (individualmente e em grupo), por semana, em cada ano da sua carreira.
Por fim, os jogadores tinham que preencher um questionário que avaliaria até em que medida eram destros, esquerdinos ou ambidestros.

Descobrimos uma grande correlação entre o número de horas dedicadas ao jogo e o elo actual: os jogadores sem elo indicaram, em média, 8.303 horas; os não titulados 11. 715; os MF 19.618; e os IM 27.929. (Os 3 GMs não preencheram esta parte do inquérito).



Note-se que houve uma imensa disparidade de valores na quantidade de horas apresentada. Por exemplo, quanto aos jogadores com elo aproximado de 2200 pontos, a média foi de 11.000 horas, mas um jogador apenas precisou de 3.000 enquanto que outro gastou mais de 23.000 para alcançar o mesmo nível.
Além de que alguns jogadores estudaram e praticaram mais de 25.000 horas e não chegaram aos 2200 pontos.

Como o xadrez é um jogo visual-espacial, seria de esperar que ele activa as estruturas cerebrais especialmente ligadas ao processamento visual-espacial, que tendem a estar situadas no hemisfério direito. Devido à forma como o cérebro está "ligado", a sua parte direita também controla o lado esquerdo do corpo. Assim, seria expectável que houvesse uma maior proporção de indivíduos esquerdinos, ou pelo menos ambidestros, que jogassem xadrez do que na população em geral. Na nossa amostra, 17,9% dos xadrezistas eram esquerdinos ou ambidestros, valor significativamente superior que na amostra controlo de não xadrezistas (10,2%). Todavia, o facto de ser esquerdino ou ambidestro, ou destro, não consequenciou diferenças significativas ao nível da competência dos xadrezistas.



Outro elemento que aventámos como possibilidade de servir de indicador da competência xadrezística foi a idade em que o jogador se iniciou no jogo. Com efeito, no seu famoso livro sobre o rating no xadrez, Arpad Elo propôs que houvesse uma idade crítica para a aprendizagem do xadrez, a partir da qual seria muito mais difícil alcançar o topo da classificação - como, aliás, em qualquer outra linguagem. Os nossos resultados mostram que há uma grande correlação entre a idade em que os jogadores começaram a jogar seriamente e o seu elo actual.
A idade média em que os xadrezistas começaram a jogar seriamente foi, para cada grupo, a seguinte: jogadores sem elo, 18,6 anos; jogadores com elo, 14,2 anos; MF, 11,6 anos; MI, 10,3 anos; e GM, 11, 3 anos.



Quase todos os jogadores titulados começaram a jogar seriamente antes dos 12 anos. Na nossa amostra, a probabilidade de alcançar o título de Mestre Internacional é de 1 em 4 para os jogadores que começaram a jogar seriamente antes dos 13 anos, enquanto que nos xadrezistas que se indiciaram aos 13 anos ou depois, a probabilidade se chegarem a MI era de apenas 1 em 55.

Outro resultado interessanto foi a margem de progressão demonstrada por jogadores de diferentes níveis. Não houve diferença significativa (cerca de 80 pontos elo) no médio elo dos jogadores titulados e dos jogadores com elo nos primeiros 3 anos de séria dedicação ao xadrez. Após o 3.º ano, o ganho médio de pontos foi de 7 por ano para os jogadores titulados e apenas 1 ponto para o grupo dos não titulados.

Os resultados das actividades de treino também revelaram algumas semelhanças: 83% dos jogadores disseram jogar rápidas, 80% teve um treinador em algum momento da sua carreira, 67% utilizam bases de dados, 66% treinam com o computador, 56% seguiam as partidas sem utilizar um tabuleiro e apenas 23% jogavam partidas "às cegas". Algumas actividades eram mais praticadas pelos jogadores mais fortes: ter aulas, utilizar bases de dados e jogar rápidas. Finalmente, os jogadores mais fortes tendiam a ter mais livros sobre xadrez que os jogadores mais fracos.



Em conjunto, estes resultados sugerem que a prática é condição necessária mas não suficiente para alcançar os mais altos níveis de performance xadrezística. Ou seja, praticar milhares de horas é fundamental, mas pode não bastar. Há outros factores que podem contribuir para alcançar as maiores performances. Descobrimos que jogar seriamente a partir dos 12 anos, ou antes, é também muito importante para se alcançar pelo menos o nível de Mestre Internacional. Finalmente, os esquerdinos e os ambidestros podem ter alguma vantagem em jogar xadrez no início da sua carreira (isto pode justificar o facto de preferirem jogar xadrez numa percentagem significativamente superior ao esperado), mas esta vantagem pode diluir-se no tempo através do aumento da quantidade de prática xadrezística.

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