quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Livro de xadrez em português, por e para portugueses.

Como tem sido abundantemente divulgado (Viriatovitch, 7/10; 16x16, 10/10; AX Benedita e Ala de Rei, 13/10; Casa do Xadrez, 14/10...), está disponível o livro "Estratégias e Técnicas de Xadrez", dos Mestres Internacionais Sérgio Rocha e António Fróis.


A generalidade daquelas fontes indica como principal mérito da obra o facto de ser escrita em português, por reputados treinadores portugueses, a pensar nas fragilidades estruturais do xadrez jovem nacional. Assinala-se também o facto de a obra estar concluída desde Fevereiro de 2007 mas, devido ao pouco entusiasmo das editoras, só agora surgir, à laia de edição de autor, com o apoio do Plano de Desenvolvimento do Xadrez no Barreiro.

Uma obra escrita a pensar na transmissão dos rudimentos do xadrez - que pretende responder a questões do tipo "Como estudar xadrez?" ou "Como e o que devo ensinar?", como os autores assinalam na introdução - funciona como um curriculum, pelo que o facto de ficar um ano e meio na prateleira não faz desaparecer o seu interesse.


E não há dúvida que se trata de uma obra de fôlego, só comparada, na literatura nacional, ao velhinho "Introdução ao Xadrez", do GMC Álvaro Pereira (Editorial Caminho, 1988), pelo qual nutro especial carinho, pois foi o meu primeiro livro de xadrez.

Têm em comum o objectivo de ensinar, de forma sistemática e criteriosa, os elementos essenciais do jogo que permitam ao leitor não ser apenas "um jogador de café", para utilizar a expressão do MI António Fróis. A forma de exposição é também semelhante, pois as matérias estão bem delimitadas e a exposição é concisa, o que facilita a apreensão.

Além de as matérias tratadas por um e por outro serem naturalmente diferentes, pois que reflectem a perspectiva pessoal dos autores, a maior diferença estará no facto de a edição de um ser de uma das mais importantes editoras nacionais e a do outro ser uma edição de autor.

Tal não se nota, contudo, ao nível da paginação, qualidade dos diagramas ou forma de exposição, mas apenas na apresentação mais corrida deste "Estratégias e Tácticas", sem qualquer caixa de destaque na explicação passo a passo das técnicas ou no seu resumo no final da exposição.
E, bem assim, em algumas contradições menores, mesmo irrelevantes, que são habituais nas edições de autor: a mais curiosa é o facto de na primeira página o título ser "Estratégias e Técnicas de Xadrez", invertendo a ordem da capa (o que talvez se deva ao facto de esta ter sido da responsabilidade da CMB e não dos autores); outra, talvez por a obra ter sido elaborada em co-autoria e não haver o revisor da editora, está na apresentação das variantes que ora são apresentadas em parentisis, parentisis recto ou itálico; gralhas, nesta primeira leitura na diagonal, só encontrei uma, no diagrama da p. 14, em que a casa sinalizada não é a correcta (há uma seta que deveria terminar em h4 mas que segue até h5). Coisa pouca, pois.

Todavia, quanto à facilidade de leitura, que é o que interessa, o facto de as variantes estarem assinaladas - de uma maneira ou de outra - e de a variante principal ser sempre apresentada em negrito, além de as linhas do texto estarem espaçadas, permite um acompanhamento fácil da exposição que, com a grande quantidade de diagramas disponíveis, permite muitas vezes a leitura sem ser necessário montar um tabuleiro.
No entanto, um dos conselhos apresentados é o de passar as variantes no tabuleiro e, até, escrever as análises efectuadas, pois os autores defendem que a aprendizagem é tanto mais efectiva quanto forem os sentidos utilizados.




Nas 107 páginas em formato próximo do A5 e papel de boa qualidade com cerca de 80g, Sérgio Rocha e António Fróis "propõem uma viagem por todo o jogo", a pensar em "todos aqueles que querem de facto progredir no xadrez, independentemente da sua faixa etária ou da sua força de jogo".

E esta última parte é especialmente verdadeira, pois se é certo que a obra começa com mates elementares, há exercícios em que jogadores com 1800/1900 pontos de elo, talvez mais, hesitarão na resposta. Felizmente, todos os exercícios são precedidos de uma explicação teórica e as soluções são fornecidas no final, pelo que assim é possível "aferir se está a haver evolução ou mesmo se se adquiriu o conteúdo", uma das preocupações que os autores expressam na introdução.



O livro começa pelos finais, prioridade que é justificada com a experiência profissional, didáctica e internacional dos autores. A partir de alguns temas que explicam - a actividade do Rei, a promoção do Peão e a importância do Plano -, são apresentados alguns finais teóricos (que são contrapostos aos finais práticos), dando os autores indicações sobre o modo de estudar uns e outros.

A "matéria" começa na p. 12, com "Mates Simples". Primeiro, a "técnica de xeque-mate com rei e dama contra rei", que é apresentada passo a passo, modo de exposição que é seguido muitas vezes na obra. Explicitando melhor, este mate é ensinado em 4 passos: 1. Colocar a Dama em "L" ou posição de cavalo com o rei adversário; 2. Forçar a ida do rei adversário até um dos extremos do tabuleiro; 3. Aproximar o nosso rei; 4. Dar xeque-mate. Segue-se um exemplo prático, com os lances devidamente anotados com referência àqueles passos iniciais.

Nestes mates simples, além do "Duas Torres contra Rei", "Torre contra Rei" ou "Dois Bispos contra Rei", há ainda espaço para referir a "técnica de xeque-mate com rei, bispo e cavalo contra rei" e, ainda, a "técnica de xeque-mate com rei e dois cavalos contra rei e peão". Apresentação sintética, é certo, mas, convenhamos, pouco "simples" para a maioria dos xadrezistas. E é isto que distingue este livro: tudo nele é "simples" porque basilar e estruturante. Não se trata aqui da simplicidade do jogador de café, bem pelo contrário, como se disse.



Na p. 18, começa a tratar-se de "Peões e Finais de Peões", pois estes são "a base para jogar finais em geral". Após um breve enquadramento teórico, são apresentadas as primeiras regras - a do quadrado e a da oposição, directa, indirecta e distante. As preocupações didácticas são evidentes, como veremos adiante também nos finais de torre, e nunca é dito que se está a ensinar a oposição directa ou a oposição distante: os autores preferem os exemplos práticos aos nomes e, talvez para não confundir, não dão "os nomes aos bois", passe a expressão. Há ainda espaço para a apresentação de conceitos estruturais como "peão passado", "peão passado protegido" ou "peão distante", acabando o capítulo com uma bateria de mais de 20 exercícios e 2 técnicas de treino que também constam do curriculum da GM Susan Polgar.



Na p. 29, a matéria passa a ser "Finais de Torre". Os autores explicam por que é que estes finais surgem muitas vezes na prática e analisam a "Torre" de uma perspectiva estática, isto é, explicam os seus pontos fortes sem a relacionarem com as restantes peças. Só depois desta introdução é que seguem para a matéria propriamente dita, escolhendo "dois tipos de posições que importa conhecer na luta de torre, rei e peão contra rei e torre": A - Quando o rei do lado fraco não está em frente ao peão; e B - Quando o rei do lado fraco está em frente ao peão. Mais uma vez, segue-se o caminho didáctico, preferindo aquela nomenclatura aos palavrões tradicionais - Posição de Lucena e Posição de Philidor. Mas mais: junto àquela aparente facilidade, vem, quanto à posição de Philidor, além do plano tradicional, dois planos adicionais subsidiários. Está ali muito do que é preciso saber para defender uma posição de Rei e Torre contra Rei, Torre e Peão, o que é efectivamente fundamental, mas está longe da mesa de café: são posições que suscitam dificuldades a jogadores de 1900/2000. Há um ou dois anos perdi uma posição daquelas que, afinal, tinha safa - bastava usar um dos planos subsidiários...

Na p. 37 estão os finais de Bispos, apresentados através da Posição de Centurini, e a seguir vêm os finais de Rei e Dama contra Rei e Peão na 7.ª.



Segue-se "a táctica no xadrez". Na introdução do capítulo explica-se o que é a táctica, qual a diferença entre esta e a estratégia, e os autores respondem à questão "como aprender e estudar táctica?", além de distinguirem táctica de cálculo. São propostos quatro temas tácticos - ataque duplo, descoberto, pregagem e ataque ao rei - e apresentadas 4 dezenas de exercícios. A haver uma melhoria no livro, talvez a fizesse neste capítulo, pois, atentas as finalidades da obra, talvez fosse interessante explicar como é que um xadrezista pode procurar os elementos tácticos.



Na p. 68 inicia-se a parte dedicada à estratégia. São duas partidas amplamente comentadas, uma sobre o tema "ataque das minorias" e outra sobre a luta das peças menores, no caso "cavalo bom contra bispo mau".

A parte final do volume - e fim do passeio pelo jogo - é dedicada às aberturas. Também aqui há uma introdução teórica onde se abordam os tipos de aberturas (abertas, semi-abertas, fechadas, semi-fechadas e irregulares) e se alerta para a importância da compreensão dos princípios, mais que a memorização das variantes, abordando os autores o "desenvolvimento", a "ocupação do centro" e a "segurança do nosso rei". Por fim, através da análise de partidas, são explicadas a cilada da Defesa Steinitz da Abertura Espanhola e apresentados os "labirintos da Italiana", especialmente após 4. 0-0.

As últimas páginas do livro contêm as soluções de todos os exercícios.



Trata-se realmente de um trabalho abrangente, muito técnico, que apesar de suceder ao "Xadrez Mágico" e ao "Xeque-Mate" só tem a ver com estes quanto à seriedade da selecção das matérias e às preocupações didácticas. "Técnicas e Estratégias de Xadrez" não é um livro de iniciação, adequando-se antes aos níveis de introdução e aperfeiçoamento. Como diz António Fróis, "é um livro para quem sabe movimentar as peças"... tenha aprendido a fazê-lo há 6 meses ou há 6 anos, tenha 1300 ou 1900 de elo.

A obra contém ainda uma pequena biografia de cada um dos autores e está prefaciada por Joaquim Durão, Mestre Internacional, e António Bravo, na qualidade de Professor de Matemática do Instituto Superior Técnico.

Para quem gosta de fazer contas à vida, creio que este livro vale mais que os €8,00 do preço de capa. Em suma, é barato pagar cerca de € 0,07 por cada uma das 107 páginas.

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