sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Doping: da ética da modalidade à ética dos dirigentes - Phelps condenado pelo Big Brother da natação.





A Federação Estado-Unidense de Natação emitiu ontem um comunicado a actualizar a sua posição sobre o caso da fotografia de Michael Phelps que foi tratado aqui.

Diz qualquer coisa como:

Ao abrigo do seu Regulamento de Disciplina, a Federação condenou Michael Phelps na cessação de atribuição de apoios financeiros e na suspensão de toda a actividade desportiva por um período de três meses.

Não se trata de sancionar a violação de uma norma antidopagem, mas sim de enviar uma forte mensagem ao atleta, uma vez que desapontou muita gente, em particular as centenas de milhar de jovens nadadores filiados nesta Federação que o tomam como exemplo e herói.

O atleta aceitou voluntariamente esta sanção e assumiu o compromisso de, no futuro, se comportar de modo a recuperar a nossa confiança.


Ou seja, Phelps não violou as normas antidopagem, as quais concretizam a Ética (conceito relativo que é) e os valores respectivos que a Federação de Natação verteu nos seus regulamentos.
Todavia, ainda assim, levou uma castanhada de 3 meses e alguns milhares de dólares porque a polícia de costumes lá do sítio entendeu que aquele comportamento (numa festa privada) desapontou muita gente...
A partir de agora, de certeza que só atravessará as ruas na passadeira e quando o semáforo estiver verde, não vá desapontar alguém. E em casa comerá a sopa toda, não vá alguém fotografar o prato.

Manter esta espada de Dâmocles sobre a (in)aceitabilidade do comportamento social dos atletas é, no mínimo, polémico. Quem viu logo mais longe foi José Manuel Constantino que terminou o seu texto no Colectividade Desportiva desta forma: Um bom poeta é apenas uma pessoa que escreve bem poesia. E por escrever bem poesia não tem que ser uma boa pessoa. Pelo menos um exemplo a seguir pelos outros. Por que razão com os desportistas terá de ser diferente?


A espada também paira sobre as nossas cabeças: são consideradas infracções disciplinares os actos notórios e públicos que atentem contra a dignidade e a ética desportiva - cfr. os artigos 13.º, alínea d), e 14.º, alínea f), do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Xadrez. Ver também o artigo 12.º, n.º 2, alíneas c) e d).

O preenchimento dos conceitos "actos notórios e públicos" (que tipo de actos? em que circunstâncias são relevantes?), "dignidade desportiva" e "ética desportiva" não é fácil, pois são conceitos indeterminados cujo conteúdo e extensão são, em larga medida, incertos, apesar de parecerem apelar a preenchimentos valorativos objectivos.

E não se pense que é só teoria. Tais actos podem muito bem aparecer, por exemplo, num relatório de arbitragem, e daí aos conselhos de disciplina ou jurisdicionais, é um ápice...

(No entanto, o caso de Phelps parece ser diferente. O acto nunca constaria de um relatório de arbitragem e parece não ser "público" - ele fumou numa festa privada. Pública é a divulgação da foto numa revista. E é por causa desta publicação - que, ao que consta, ele tentou evitar, oferecendo dinheiro para que fossem alterados os critérios editoriais - que o atleta é punido, o que não deixa de ser caricato.
Além de que, claro, se fosse xadrez, o Ivanchuck, perdão, o Phelps, safava-se, pois não há a pressão dos patrocinadores.)

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