quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Doping: A mesma substância, diferentes situações, diversos regulamentos, distintas consequências.



Phelps, super-campeão olímpico, fumou fora de competição. Não sancionado.


Escreve Nuno Filipe, n'O Jogo de hoje:

Dois dias após a publicação das imagens em que surge a fumar cannabis numa festa universitária, e meras 24 horas após o seu público pedido de desculpa, acompanhado de uma manifestação de arrependimento, Michael Phelps pôde respirar de alívio com o comunicado do comité olímpico do seu país: "Michael Phelps é um grande campeão olímpico. Pediu desculpa pelo seu comportamento pouco apropriado e não temos razões para duvidar da sinceridade do seu arrependimento e do seu compromisso para continuar a agir como um verdadeiro modelo".

Refira-se que na altura a que as fotografias supostamente se reportam (Novembro) Phelps estava no gozo de um merecido período de repouso (só regressou aos treinos em Janeiro deste ano) após os Jogos Olímpicos, onde conquistou as inéditas oito medalhas de ouro. Por outro lado, a ingestão de cannabis fora da competição nem sequer está proibida pelos regulamentos da federação internacional (FINA), pelo que mesmo que se prove a veracidade da ingestão da substância nada poderá suceder desportivamente a Phelps. (...)
- notícia integral aqui.



Um dos melhores saltadores nacionais teve dois resultados positivos quanto à mesma substância.
Sanção: anulação dos resultados, sem repreensão, multa ou suspensão.


No mesmo jornal, em peça assinada por A.F.:

"O (...) melhor especialista de salto com vara português, teve dois resultados positivos por uso de canabinóides em duas provas da época passada. A primeira a 29 de Maio, quando saltou 5,30 m (a sua segunda melhor marca), e a segunda a 8 de Junho, dia em que fez 5,15 m. O Conselho de Disciplina da Federação de Atletismo comunicou ontem que desclassificou Edi Maia nas duas provas e anulou os dois resultados, mas não lhe aplicou outras punições."


Embora o novo Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, tenha entrado em vigor no início do ano e o seu artigo 8.º, n.º 1, alínea b), determine que "as federações desportivas devem publicitar as suas decisões através da disponibilização na respectiva página da Internet de todos os dados relevantes e actualizados relativos à sua actividade, em especial, as decisões integrais dos órgãos disciplinares ou jurisdicionais e a respectiva fundamentação", no site da Federação Portuguesa de Atletismo encontrei apenas a seguinte informação:


"A Federação Portuguesa de Atletismo vem por este meio informar que por decisão do Conselho de Disciplina desta Federação, o atleta "Edi Maia", em resultado da detecção de canabinóides em amostras de urina recolhidas a 29 de Maio, durante a realização de uma prova de observação do salto com vara, e no dia 8 de Junho, durante a segunda jornada da final dos Campeonatos Nacionais de Clubes, decidiu desclassificar o atleta em ambas as competições, com base nos artºs 17º e 23º do Regulamento de Disciplina da Federação Portuguesa de Atletismo.
Como tal, foram retiradas do currículo do atleta, assim como da listagem e rankings nacionais as marcas obtidas nas supracitadas competições.
A direcção da FPA
"

Sem ter acesso à fundamentação da deliberação, não é possível analisar os seus pressupostos nem a medida da sanção. Todavia, o comunicado é claro: foram anulados os resultados desportivos e os seus efeitos no ranking, mas não terá havido, como se assinala na notícia, qualquer outra sanção. E referem-se os artigos 17.º e 23.º do Regulamento de Disciplina da FPA, aquele referente à "determinação da medida da sanção" e este às "sanções aplicáveis às infracções muito graves".
Ou seja, pelas duas análises positivas foi aplicada a sanção prevista na alínea e) - "perda de pontuação ou posto nas provas nacionais". Quer dizer: a FPA entendeu que duas análises positivas deveriam ser sancionadas apenas com aquela perda, quando disponíveis estavam também as sanções de suspensão, multa ou repreensão, entre outras.



Nós por cá, como é hábito, é que costumamos ser diferentes.
Neste post, que é uma rábula a esta notícia do Record, já se alertava para a forma pouco elegante como o Presidente "de recurso-porque não houve listas alternativas" da FPX levara para a praça pública - através de um dos maiores diários especializados e com consequências pouco abonatórias -, o nome de dois xadrezistas com processos disciplinares pendentes: um que ficou suspenso durante seis meses até ser interposto recurso que afastou essa suspensão pelos vistos ilegal (em processo na altura ainda não concluído), e outro que, vários meses passados, continua automática e preventivamente suspenso porque, à míngua de uma decisão final, continua sem ter nada contra o que recorrer.

Mas a este assunto haveremos de voltar com certeza, até porque tem todos os ingredientes para se tornar num case study: há boas hipóteses de vermos a Justiça do Estado sindicar a actuação da justiça desportiva da Federação Portuguesa de Xadrez. E, no âmbito do novo contencioso administrativo, eventualmente também no plano indemnizatório - cfr. o artigo 18.º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, bem como o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas - Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.


E, porque apropósito, alguns excertos da reflexão de José Manuel Constantino, na Colectividade Desportiva:

"Michael Phelps foi apanhado a fumar marijuana. Pediu perdão pelo acto. E o Comité Olímpico Internacional aceitou o pedido de desculpas. E enfatizou, não fosse alguém esquecê-lo, que Phelps é um grande campeão olímpico. Tudo está bem quando acaba bem. E a estória podia acabar aqui. Mas se puxarmos um pouco o fio à meada algumas perguntas ficam por fazer: o que tem o COI a ver com o facto do atleta fumar ou não marijuana? E se tem qual seria a sua reacção caso o interveniente não fosse “um grande campeão olímpico”? Podemos especular. Não mais do que isso. Mas o “incidente da passa” vale mais algumas reflexões.

Uma primeira tem a ver com a medicalização do rendimento desportivo, a prescrição farmacológica e os limites legais ao que é permitido, ao que é possível de ocultar e às técnicas de despistagem e controle da dopagem. É como a fruta. Tem a sua época. Tão depressa está na agenda mediática e política como de repente sem darmos por isso hiberna como se deixasse de existir. (...)

Uma segunda tem a ver com a dimensão e responsabilidade social do “campeão”uma construção ideológica que tem muito de alvorada do fascínio pelo homem/mulher sobredotados e que as diferentes ideologias políticas, mesmo as de sinal oposto (fascismo/comunismo), incorporaram à sua maneira. A crescente comercialização do desporto e a politização do rendimento desportivo remetem essa responsabilidade social, salvo honrosas e poucas excepções, para o domínio das lógicas comerciais dos patrocinadores travestidos de “acções de responsabilidade social”. (...)

Uma terceira reflexão tem a ver com o facto de o “grande campeão”, não é por ser talentoso que deixa de ser uma pessoa. Há vida para além do desporto. O atleta porventura gosta- mas não pode tudo quanto gostaria- de beber uns copos, em alguns casos de fumar uns “charritos”e provavelmente de participar numas “raves”( de acordo com algumas noticias Michael Phelps aos 19 anos teria sido condenado por conduzir sobre o efeito do álcool).
Ser tão igual, quanto a sua vida desportiva o permite -e não permite muito – aos da sua geração parece normal. Sobre esta matéria poderemos fazer juízos de valor e em defesa dos bons princípios avançar com a condenação moral. Mas vida é o que é. E não será por a negarmos ou a escondermos que ela se altera. Uma perspectiva ou explicação monista do comportamento dos campeões é um reducionismo. E entre o ascetismo e o hedonismo cada um que escolha.
Tudo para dizer que os heróis do Olimpo afinal não são deuses. Mas herois mitificados.São seres humanos.Cujos comportamentos merecem o cuidado de os não categorizar com precipitação.Para não nos perdermos.Afinal pertencemos a uma geração que à esquerda lutou contra o modelo burguês de casamento.E hoje se tornou “progressista” ao alargar,o que antes se criticava,aos homossexuais e às lésbicas.Não sabemos o que nos espera daqui a uns anos quanto ao consumo de substâncias hoje catalogadas como “drogas”. Para já ,nós por cá, vamos sancionando.Desta feita um saltador à vara.
Maradona,Comaneci,Ronaldo e tantos outros, cada um à sua maneira, viveram os prazeres da vida.Não deixaram de ser grandes campeões.Tinham também de ser bons exemplos sociais?
Um bom poeta é apenas uma pessoa que escreve bem poesia. E por escrever bem poesia não tem que ser uma boa pessoa.Pelo menos um exemplo a seguir pelos outros.Por que razão com os desportistas terá de ser diferente?
"

Sem comentários: