Depois de ter publicado a minha partida de sábado, o Nuno colocou a que jogou no domingo na caixa de comentários do post relativo à preliminar que está a disputar.
A partida foi interessante e penso que foca alguns aspectos importantes que devem ser realçados, pelo que decidi trazê-la do canto escuro dos comentários para a luz desta página principal.
Como aspectos positivos, gostei de ver que o Nuno (1387) não ficou amedrontado por defrontar um jogador conhecido e experiente que, embora sem elo neste torneio, sairá na próxima lista com cerca de 1600 pontos FIDE. Também fiquei satisfeito porque a partida demonstra estudo (ainda bem que as aulas dos "xeque-mates espectaculares" servem para alguma coisa :P) e conhecimento de partidas históricas, o que é uma base importante para evoluir bem.
No entanto, normalmente aprendemos mais com os pontos negativos, pois é ao melhorar as nossas deficiências que tornamos o nosso jogo mais forte.
Na minha partida, vimos a desgraça que nos aguarda se jogarmos com preguiça ou desconcentrados.
Nesta partida veremos que o excesso de confiança nos pode levar ao mesmo triste resultado.
Escreveu o Nuno no tal comentário: "O meu jogo foi engraçado: 1. e4 e5 2. Cf3 d6 3. Bc4 Bg4 4. Cc3 Cc6 5. Bb3 Cd4 6. Cxe5 Bxd1 7. Bxf7+ Re7 8. Cd5++
O meu adversário não conhecia este mate e eu aproveitei..."
Olhando para a posição final da partida do Nuno, reconhece-se que "este mate" é uma variante do de Legal.
Historicamente, tem sido unanimemente reconhecido que o mate de Legal foi dado, pela primeira vez, no século XVIII (normalmente as fontes apontam o ano de 1750), numa partida jogada entre Legal e Saint Brie, em Paris.
(Um pequeno intervalo para uma curiosidade: Legal era um xadrezista de altíssimo nível e foi o professor de Philidor, músico francês considerado o melhor jogador do mundo na sua época. Entre outras coisas relevantes, Philidor acabou por baptizar uma abertura - a Defesa Philidor que se caracteriza pelos lances 1. e4 e5 2. Cf3 d6.
Se repararem, há aqui uma ligação entre o mestre e o aluno: é ao aproveitar um erro na "defesa Philidor" que surge o "mate de Legal"! Claro que no tempo deles, estas técnicas não tinham nome, muito menos o dos próprios. Mas a verdade é que o mate do mestre ocorre na defesa a que o aluno mais tarde deu nome!)
Voltando à partida entre Legal e Saint Brie, algumas fontes dizem que ela decorreu deste modo:
Aquele lance 4. ... g6, demasiado passivo, foi duramente punido por Legal.
(Se 5. ... dxe5 6. Dxg4 ganha um peão.)
Aliás, qualquer lance passivo (4. ... a6, h6 ou Ca6, por exemplo) perderia material de igual modo.
Ora, conhecedor deste exemplo, não admira que o Nuno se tenha atirado de cabeça no sacrifício de Dama!
No entanto, nunca é demais repetir o conselho de sempre: temos que ser críticos. Não é só por alguém (um livro, um treinador, uma professora...) dizer que qualquer coisa é "boa" ou "é assim" que devemos seguir essa opinião. Devemos procurar perceber os motivos e só se a fundamentação nos convencer, é que podemos assumir esse facto como verdadeiro... pelo menos até descobrirmos ou alguém nos mostrar que afinal há uma perspectiva melhor!
Já regressarei a este ponto, quando analisar a partida do Nuno.
Voltando à partida de Legal, há, todavia, quem sustente que na partida original as negras jogaram melhor, e em vez de um lance passivo, continuaram com 4. ... Cc6!
É o que Edward Winter defende no seu site Chess Notes, trazendo à colação a obra A Selection of Games at Chess, de George Walker, publicada em Londres, em 1835, publicando o seguinte excerto da p. 91: (aqui Legal aparece escrito de uma maneira mais "francesa" (Legalle) e no site de Edward Winter há uma pesquisa sobre o nome do mestre de Philidor)
Vamos ver esta partida e o comentário que é feito neste livro... de 1835! (só "algumas" décadas depois da partida):
A partida é assim apresentada: "Um curioso xeque-mate dado pelo Senhor De Legalle numa partida jogada com um amigo em que este começou com a Torre de Dama de vantagem".
O 5.º lance das negras (Bxd1) merece a seguinte nota: "Esta jogada é claramente um erro, mas pode facilmente acontecer a um jogador com pouca experiência. A melhor continuação seria tomar o Cavalo."
E, por fim, numa apreciação global: "É evidente que esta combinação só teve sucesso por ter sido jogada com um xadrezista não muito forte, mas vale a pena publicá-la por ser um momento de inspiração do Senhor De Legalle que foi o instrutor de Philidor. Aliás, com a venerável idade de 85 anos, o Senhor De Legalle ainda era o melhor jogador francês, se excluirmos o seu ilustríssimo aluno."
Ou seja, se as negras não jogarem passivamente no lance 4, as brancas não podem sacrificar a peça, uma vez que, caso as negras optem pela melhor continuação (tomar o Cavalo em vez da Dama branca), ficam com vantagem decisiva:
Depois de 5. ... Cxe5, as negras activam o seu Cavalo (por isso é que o lance 4. ... Cc6 não é passivo), capturam uma peça, protegem o seu Bispo em g4 (que continua a atacar a Dama) e ficam a ameaçar o Bc4.
Na partida, o Nuno deve ter ficado tão empolgado por estar a ver o Mate de Legal regressar cerca de 250 anos depois da sua primeira aparição, que ficou toldado pelo seu excesso de confiança. E a coisa podia ter corrido mal porque o Mário fez um quarto lance muito bom - precisamente o Cc6 que acabamos de ver - que permite activar o Cavalo e refutar o sacrifício das brancas em e5:
Com efeito, o Bispo das brancas é uma peça fundamental para o sucesso do ataque. Sem a entrada em f7, as negras nada têm a recear. E o Cavalo em d4, além de pressionar f3, também tinha a casa b3 no canto do olho:
6. Cxe5 é refutado por Cxb3! e mesmo depois de 7. Cxg4 as negras podem ficar com uma Torre a mais sem que as brancas obtenham qualquer compensação posicional.
Em suma:
- É bom conhecermos padrões de ataque. Mas, quando eles nos surgem na prática, temos que verificar com cuidado se os pressupostos posicionais são mesmo aqueles que conhecemos. É bom ganhar com um "xeque-mate espectacular", mas não vale o risco de perder a partida só porque demos a posição por garantida. Para se ser vigoroso tem que se ser crítico!
- Quer a preguiça/desconcentração quer o excesso de confiança são duas faces da mesma (má) moeda: se não analisamos a posição, seja por que motivo for, se abdicamos de criticar o tabuleiro, aumenta de forma assustadora a possibilidade de acabarmos derrotados.
O Nuno teve a sorte que eu não tive e acabou por ganhar. Mas, este fim de semana, ambos fizemos o mesmo erro que temos que evitar no futuro. Só assim jogaremos melhor.
4 comentários:
ui
essa n vi
EU QUE PENSEI TANTO QUANDO JOGUEI Bb3!!!!!!!!!!!!!!!
Mas aprende se muito com os erros n e?
um abraço
nuno
;)
Então não tens que pensar mais, só tens que pensar melhor :P
Acho que para a próxima já estarás alerta para este pequeno pormenor...
Depois de 4. ... Cc6 o normal é jogar 5.h3. As brancas ganham tempo porque o bispo tem que retirar a pressão que exerce no cavalo, se [5. ... Bh5? 6. Cxe5 sem problemas de 6. ... Cxe5].
Já tive a "felicidade" de dar este mate, se bem que só na internet e em ritmo semi-rapido :).
Le Penseur,
Andei tão entretido com o tema do mate que na análise me esqueci do Bb3 que não parece ser lá grande coisa.
5. h3, pelo contrário, tem bom aspecto, como explicas.
Obrigado!
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