Em primeiro plano, Ruben Pereira - António Pereira dos Santos.
António Pereira dos Santos participou numa Olimpíada, em 1982, tendo sido Campeão Nacional em ritmo rápido, em 1976. Venceu 3 Taças de Portugal e o Torneio de Mestres em duas ocasiões. O seu curriculum desportivo, enquanto atleta, é muito vasto. Por mais recentes, destacam-se o 8.º lugar no Torneio de Mestres deste ano (6.º na edição do ano passado) e o 6.º lugar no Campeonato Nacional Absoluto em 2007.
Responsável por uma coluna de xadrez no Diário de Notícias, em 2004 era o Presidente do Conselho Técnico da Associação de Xadrez de Lisboa. Nessa altura e nessa qualidade, escreveu este texto sobre as selecções nacionais que estariam presentes nas Olimpíadas de Calvià.
Agora, "embora este triste episódio da representação nacional nas olimpíadas de Dresden tenha terminado (pelo menos nesta parte) com o lamentável fim que conhecemos, envio-vos a minha posição sobre o assunto dado que fui parte interveniente no episódio, também lamentável, da representação em Calvià 2004, para o fim que julgarem conveniente".
Trata-se de um texto que resume o essencial do Caso GM António Fernandes/Bianca Jeremias, adita novos elementos que muitos, como eu, provavelmente desconheciam, e rebate, no ponto, as justificações mal amanhadas que foram lançadas pela Direcção da FPX.
António Pereira dos Santos em discurso directo:
A partida das selecções olímpicas para Dresden foi precedida, como sabemos, por um processo de convocação polémico que só não classifico de “sem precedentes” porque os teve.
E foi uma polémica tão desnecessária quanto inevitável.
Desnecessária porque cumprindo o Regulamento das Representações Nacionais e convidando um seleccionador tendo como requisitos um conhecimento mínimo da modalidade e do conjunto dos melhores xadrezistas portugueses quer absolutos quer femininos, bom senso, isenção e capacidade de decisão, ter-se-iam levado as selecções absoluta e feminina a Dresden. Assim foram duas equipas desfalcadas.[sic]
Inevitável, porque os casos de incumprimento de regulamentos observados nos últimos 7 anos, aceites com tanta passividade e, em alguns casos, com aprovação em AG pela maioria das associações, prenunciavam a ocorrência de novos casos de decisão discricionária.
Vejamos alguns casos ocorridos no passado recente e que referi num documento que apresentei num debate no seio da APMX:
a. O caso Fátima Vieira em 2002. O presidente da FPX era o Luís Costa. O caso foi resolvido pela decisão de não participação na olimpíada feminina depois de algumas das xadrezistas se terem recusado a participar num torneio de selecção com a Fátima Vieira por considerarem que esta “fabricou” resultados em torneios com o intuito de fazer subir o seu Elo;
b. O caso da selecção feminina para a olimpíada de Calvià. O presidente da Comissão Administrativa (por demissão do Luís Costa) era o António Bravo. A Comissão informou que não havia verbas para custear as passagens dos xadrezistas e estes comprometeram-se a custeá-las. A selecção feminina foi formada “misteriosamente” ignorando a campeã nacional[sic] (se não me engano já penta campeã na altura), xadrezista mais activa do país e melhor Elo feminino com uma diferença apreciável para a 2ª do ranking. Tudo com a complacência do presidente da Comissão Administrativa que até afirmou que não tinha nada a ver com o assunto. O caso foi resolvido depois da expressão da revolta pelo que estava a acontecer (um dos que se exprimiu fui eu e, por isso, fui considerado pouco responsável) e de um parecer requerido, à última hora, pelo Presidente da Comissão Administrativa ao Conselho Jurisdicional da FPX. No parecer o Dr. António Ferreira foi exemplar e, até, pedagógico orientando no sentido de como se devia interpretar o RRN.[sic] A Catarina Leite foi convocada pouco tempo antes do começo da Olimpíada e a Sofia Henriques foi designada capitã em substituição do lugar de seleccionada por se considerar que tinha ganho direitos (?!). Neste caso a selecção foi alterada quase em cima da hora.[sic]
c. O caso do protesto do GCO em 2007. O caso tem a ver com a apresentação de 4 estrangeiros por uma das equipas da II divisão. A FPX recebeu um ofício da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto onde dava conhecimento de uma directiva comunitária que estabelecia que as federações desportivas deviam passar para a legislação nacional um articulado onde não poderia ser impedida a participação de estrangeiros em todos os tabuleiros numa partida. Este ofício foi sonegado a um ex-director da FPX (demitiu-se por esse motivo) que dele queria tomar conhecimento. O senhor Presidente da FPX (o actual) disse que não podia cumprir o regulamento da FPX (?) que regulamentava esta matéria. É importante fazer notar que uma Directiva comunitária, ao contrário de um Regulamento comunitário, não faz fé de lei nem tem o primado sobre a legislação nacional. A FPX foi a única federação desportiva que não cumpriu a lei! [sic]
d. Finalmente o caso das actuais convocatórias que, face à constante impunidade sentida pelos dirigentes, muito devido à passividade da comunidade xadrezista, e também a alguma cumplicidade da AG, volta a enfermar de várias ilegalidades e daquelas classificações que já referi acima.
O xadrez tem este problema: os xadrezistas têm muita dificuldade em viver fora do seu umbigo. E os dirigentes comungam dessa característica pois são, praticamente todos, mais ou menos praticantes.
Recordo alguns dos passos mais importantes deste caso:
1. No dia 12 de Julho de 2008 foram colocadas na página da FPX as convocatórias das selecções absoluta e feminina dizendo que as constituições resultaram da aplicação dos critérios estabelecidos;
2. Num documento em que dá a conhecer os “critérios estabelecidos” a FPX explica por que razão decidiu abrir uma excepção aos torneios de mestres e de honra que se realizaram fora das datas inicialmente determinadas. Nada diz sobre o campeonato nacional feminino do qual já conhecia, no dia 12 de Julho, a lista de xadrezistas inscritas. Também era sabido pela FPX, creio eu, o critério que disseram ter adoptado “…participação no campeonato da época em curso…” [sic] (os conceitos de dead line e de boletim devem variar consoante as ocasiões ou, como na prática política, conforme os interesses);
3. Não foi explicado por que razão se consideram importantes as expectativas criadas pelo calendário inicialmente previsto para aqueles 2 torneios e se consideram irrelevantes as expectativas criadas pelas datas da olimpíada, já conhecidas em Novembro de 2007, em conjunção com os torneios importantes do calendário nacional como são os campeonatos nacionais (absoluto e feminino) e o campeonato nacional por equipas, único em Portugal que dá a possibilidade de obtenção de normas até à de GM;
4. Num documento que classifico de caricato, publicado na página da federação no dia 7 de Outubro, a direcção da FPX diz que decidiu seguir os procedimentos das anteriores direcções para a convocatória e o porta-voz da direcção, neste caso o Presidente, assumiria a função de seleccionador “cumprindo as decisões da direcção” [sic]. Sobre isto deixemos esclarecido que:
a. As anteriores direcções não seguiram estes procedimentos [sic]. Embora sejam questionáveis os critérios adoptados, por deles não resultarem as melhores selecções, o certo é que tanto para a olimpíada de 2004 como para a olimpíada de 2006 as direcções vigentes designaram um seleccionador nacional (o Spraggett para a selecção absoluta de 2004 e o Fernando Gouveia para as selecções absoluta e feminina de 2006). Os seleccionadores foram identificados pela FPX com antecedência pelo que, no melhor dos casos, o “esclarecimento” deste comunicado é legitimado pela ignorância [sic] destes factos por parte da actual direcção;
b. É um abuso de liberdade e um desrespeito pela experiência dos xadrezistas, pelo menos dos que andam nisto há alguns anos, considerar que a designação de um seleccionador implica, obrigatoriamente (depreende-se pelo modo como se esclarece), um contrato com os consequentes custos em termos financeiros;
c. Fica sem se saber se esta FPX concorda que estes critérios são os que garantem a escolha das melhores selecções ou se, pura e simplesmente, o facto de terem sido adoptados pela direcção anterior e de terem servido para convocar a selecção que jogou o torneio das 4 nações em 2007, faz deles bons critérios;
d. É confusa a informação (4 meses atrasada!) [sic] de que o porta-voz da direcção assumiu a função de seleccionador e ainda mais confusa quando se diz que o porta-voz (ou seleccionador?!) cumpre as decisões da direcção, ou seja, não cumpre a função para a qual foi nomeado. Não sei se estão a ver? Trata-se de saber de quem é a responsabilidade. Eu fiquei na mesma. Em branco. Ainda por cima esta informação é dada em termos de esclarecimento no dia 7 de Outubro de 2008 depois de nada ser dito em várias outras ocasiões sobre este assunto, quer por escrito, quer oralmente; [sic]
e. O prazo estabelecido pela FIDE não foi 12 de Julho de 2008. Desde o início de Junho que foi prorrogado para 12 de Setembro de 2008. Pelo menos para as mentes esclarecidas. Para as ingénuas já não sei;
f. Os seleccionados não foram todos contactados como é escrito neste esclarecimento. Estas insistências por parte de FPX são vergonhosas. Classificá-las de inverdades é mesmo o melhor que se pode fazer. Eles sabem bem que não é verdade;
g. A decisão tomada não é, obviamente, válida.
Um homem com carradas de razão não pode fazer nada contra um embuste bem montado. São os aspectos negativos da democracia. Uma direcção é eleita democraticamente e dirige de forma autocrática e discricionária, cometendo todo o género de atropelos, decidindo de forma incompetente e irresponsável, não admitindo o prejuízo causado a pessoas e ao próprio país, utilizando o estatuto de utilidade pública e subsídios do IDP que deveriam ter melhor utilização.
Tudo funciona devido à falta de regras punitivas e à morosidade de intervenção em casos desta natureza que, por isso, se multiplicam.
Ainda por cima, de acordo com as informações veiculadas ao jornal Record, a responsabilidade de não se cumprir o regulamento [sic], agora, é da APMX porque não fez nada para o alterar!
E sobre outra afirmação veiculada por este jornal desportivo, sobre o valor da selecção devo dizer que a prática de todas as direcções anteriores (desde há cerca de 30 anos) nunca testemunhou uma afirmação de que a selecção não perdia valor com o desfalque do campeão nacional e do xadrezista com melhores provas (e ranking) dadas no período que antecede a prova. Isso só aconteceu agora e em 2004. [sic]
A selecção feminina merece um comentário à parte embora, neste caso, o ardil seja tão infantil que custe a crer que pessoas adultas que se candidataram a funções desta responsabilidade tenham decidido com tamanha desfaçatez.
A senhora Maria Armanda Plácido, vice-presidente da FPX e presidente da AX de Lisboa apresentou um desempenho sempre negativo durante as poucas provas em que participou no ano de 2008 e apresenta um elo de cerca de 1750. Há várias xadrezistas, todas elas jovens e em progressão, com valor superior e mais elo do que ela. Antes da data da convocatória a Direcção da FPX tinha em seu poder a lista das xadrezistas inscritas no campeonato nacional feminino onde constavam estas jovens e onde não constava a jogadora seleccionada. Mas a FPX preferiu gastar energias em encontrar uma excepção para incluir o torneio de mestres nas contas da convocatória e ignorou esta prova especificamente referida nos seus critérios. Acho que para os bons entendedores chega.
Sorte tem a Bianca Jeremias em poder com facilidade pedir a nacionalidade alemã. Terá mais possibilidades, apoio para evoluir e será respeitada! [sic]
Outro argumento muito referido pela FPX foi o do prejuízo que seria causado aos xadrezistas convocados de forma ilegal que fossem substituídos por nova convocatória. Estranhamente, nunca foram referidos os prejuízos causados àqueles que [sic], por força de uma decisão irresponsável, prepotente e com incumprimento do regulamento em vigor, não foram convocados [sic]. Vale o mesmo reparo para as expectativas criadas. É que têm mais valor as expectativas que se buscam através dos resultados obtidos do que aquelas que derivam de um benefício obtido por incúria de quem decide. Permito-me não comentar os benefícios obtidos por conflito de interesses ou favorecimento.
No caso das presentes convocatórias há a referir o grave prejuízo causado ao GM António Fernandes que, tendo conquistado o campeonato nacional a tempo de ser convocado, viu a oportunidade de lutar pelo recorde mundial de participações em olimpíadas (já participou em 14) [sic], cerceada por esta decisão.
Acrescentem-se ainda os prejuízos nas carreiras dos xadrezistas que apresentavam, claramente, melhores registos nesta altura.
A presença numa olimpíada, até pelos contactos que se estabelecem, é sempre um benefício para a carreira de um xadrezista. E quando se ostenta o título de Grande Mestre pode, também, trazer benefícios financeiros.
E quanto à Bianca questiona-se se “cortar as pernas” a uma jovem de 19 anos com quase mais 200 pontos de Elo do que a 5ª seleccionada não é prejudicar a carreira.
Finalmente o argumento de que se deve agradecer o tempo dispendido pelos directores (candidatos por opção própria), em desfavor das suas vidas particulares, a favor da modalidade, não colhe de todo. Trata-se de mais uma aplicação do princípio do umbigo [sic]. Há muita gente, xadrezista e não só, que dedica tão ou mais tempo, roubado à sua vida particular, à modalidade. Por opção própria. A questão de terem tomado decisões alternativas ao dirigismo na FPX é um direito que lhes assiste e que deve ser respeitado.
Cumprimentos a todos,
António P. Santos
PS:
Já depois de ter redigido este documento tomei conhecimento que, em plena AG realizada no passado dia 9 de Novembro, o presidente da FPX afirmou, penso que em jeito de justificação, que a senhora Maria Armanda Plácido não prejudicaria o desempenho da selecção feminina porque até nem iria jogar.
Uma posição que ainda descredibiliza mais todo o processo e que realça a desfaçatez com que se prejudica uma jovem de 19 anos sem pudor nenhum.
Afinal se era para não jogar, não poderia ir a Dresden como capitã da equipa e levar uma 5ª xadrezista que, obviamente irá ter de jogar algumas partidas?
Tem alguma justificação esta conduta?
São as datas e os critérios que a justificam?
Não, nem isso, nem incompetência, nem inexperiência, nem nada!
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