sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Trabalho - Xadrez - Casa


"A eterna rivalidade entre «mouros» e «tripeiros» passou para as páginas de um livro ["Porto vs Lisboa", editora Guerra e Paz] pela mão de dois jornalistas, que defendem no papel as maravilhas das suas cidades e aproveitam para desdenhar os símbolos da cidade rival.

Não é um assunto novo e reza a história que já no século XIX o «ódio» existia. Pelo menos assim escreveu Eça de Queiroz: «Lisboa inveja ao Porto a sua riqueza, o seu comércio, as suas belas ruas novas, o conforto das suas casas, a solidez das suas fortunas, a seriedade do seu bem-estar. O Porto inveja a Lisboa a Corte, o Rei, as Câmaras, S. Carlos e o Martinho»."


Depois de uma adolescência vividamente portuense e uma escolaridade em recreio de escola pública marcadamente portista, parece-me agora - que além de mais velho, tenho, no último meio ano, vindo a Lisboa mais ou menos de 15 em 15 dias - que a principal diferença entre Lisboa e Porto é fundamentalmente uma: proporção.

Em Lisboa é tudo maior, desde logo porque o país não se soube desenvolver de um modo multipolar. Quase tudo, a começar pela Administração Pública, está na capital. Em consequência (talvez demasiado simplista), é a zona do país onde se concentram mais pessoas. Basta ver, por exemplo, a quantidade de malta que, todos os domingos, enche várias vezes o cais de Campanhã e vários Pendulares e InterCidades com destino ao Oriente ou Santa Apolónia. Exemplo que se multipla, quer em localidades, quer em meios de transporte, por este país fora.

É das regras do mercado que, onde há mais pessoas, exista mais procura e, se tudo estiver a correr bem, mais oferta. Do mesmo modo, em princípio, onde há mais pessoas há mais dinheiro, logo mais consumo, poupança e investimento. Não ponho as mãos no fogo por esta teoria, mas talvez ela ajude a explicar por que é que só em Lisboa é que uma pessoa (ok, um xadrezista predisposto a reparar no seu jogo) corre o "risco" de, no regresso a casa, depois de um dia de trabalho, se cruzar com o xadrez nos sítios e formas mais surpreendentes.


A Fundação PLMJ foi instituída pela sociedade de advogados com o mesmo nome e tem sede na sede desta, na Avenida da Liberdade, no coração de Lisboa.

A Fundação propõe-se contribuir para a divulgação das artes plásticas em Portugal, protagonizando uma actividade regular na área do coleccionismo onde desenvolveu um acervo ilustrativo da criação artística contemporânea. Nas suas Colecções convivem nomes reconhecidos com outros em início de carreira e, consequentemente, trabalhos de natureza vária, realizados em diversos suportes e alicerçados em múltiplas posturas processuais e estéticas.

No âmbito da sua actividade, a Fundação promove projectos editoriais e programas expositivos próprios, com destaque para a divulgação de jovens artistas portugueses nos diversos sectores das artes plásticas – Pintura, Desenho, Escultura, Fotografia e Vídeo, corporizada no projecto multidisciplinar Opções & Futuros iniciado em 2005.


A sede está extraordinariamente bem decorada com o acervo da Fundação, e houve duas peças que me ficaram no canto do olho. A primeira, no cimo de uma escada em caracol, foi este Triconight (escultura de Joana Vasconcelos, 2002):


E ao fundo da tal escada, aliás, em rigor, por baixo da mesma, mesmo defronte da Sala dos Advogados Estagiários - talvez numa pequena manifestação de humor :P - está o hiper realista "advogado morto".


«O famoso "advogado morto", na firma PLMJ (em cima) é afinal uma obra de arte da autoria de Noé Sendas» e sobre ele o artigo "Isto é arte, Sr. Empresário", publicado no suplemento Fora de Série do Diário Económico de 31 de Outubro, conta a seguinte estória: «A empregada de limpeza da sociedade de advogados PLMJ, em Lisboa, apanhou um susto de morte. À entrada do elevador encontrou um homem deitado no chão, de lado, com blazer vestido, calças de ganga e ténis, a cabeça tapada com um saco, os pés e as mãos amarrados atrás das costas. Gritou pelo segurança do edifício para ajudar a resolver o que imaginou ser um crime. Mas verificou depois tratar-se de um boneco colocado intencionalmente naquela posição e naquele lugar. O suposto defunto advogado era, afinal, uma obra de arte de Noé Sendas. Conclusão: a arte é para ser vista por todos. Para estar exposta em locais ao alcance do olhar das pessoas.»



Mais tarde, já no metro, deparei-me com uma feira do livro itinerante e um dos primeiros livros expostos era o "Jogos Reais em Vinte Pinturas", de Carlos Dugos, editado pela Hugin.

«"Jogos Reais" foi a designação dada ao conjunto de vinte pinturas que estão aqui [na obra] reproduzidas, executadas entre 1995 e 1999. Este ciclo de trabalhos foi apresentado numa exposição pública no Museu da Água da EPAL - Estação Elevatória de Barbadinhos - em Janeiro de 2000.»

Já em casa, procurei na internet informação sobre o autor, para descobrir que o Ala de Rei já dele havia dado notícia, e recentemente, à comunidade xadrezística. Carlos Dugos não parece ser um artista fácil e, de acordo com a entrevista do início do livro, produziu este álbum pictórico "segundo uma linha condutora homogénea em termos iconográficos, compositivos e plásticos, em função da mensagem patente num mesmo ciclo simbólico.
Nesta obra, com o habitual traço geométrico do seu naturalismo figurativo, modelado pela sua luminosidade tridimensional, o pintor representa diversas paisagens imaginais do Jogo de Xadrez, enquanto espelho pedagógico da Realidade da Arte e da Vida
".


1312, óleo sobre tela, 65x54cms, 1996, disponível aqui.


No prólogo, Manuel Cândido Pimentel, da Universidade Católica, diz que "Carlos Dugos adopta a versão europeia deste jogo milenar [chaturanga - ax-xa Tranj - xadrez] para fonte de sugestões estéticas, cruzando a actividade lúdica que lhe anda associada com um imaginário que vive sobretudo da dinâmica do símbolo e da sua reconcentração figurativa. A ideia de "jogo" desempenha uma importante função no mundo estético que o pintor cria, função, na verdade, arquétipa: ao colocar intencionalmente a correlação dos valores lúdicos com os valores vitais, identifica o impulso lúdico com o da vida, designada, por isso, como jogo.


Romeu e Julieta: o Acto Final, acrílico sobre tela, 120x80cms, 1998, disponível aqui.


Esta proposta concreta da vida como um jogo sublinha o jogo como uma representação da vida, o que permite contemplar no Xadrez - tabuleiro, figuras e tácticas militares - não só a dramática existência da alma humana na alternância do amor e da guerra, da vitória e da derrota, da dor e do júbilo, da ausência e da saudade, mas a própria cosmogonia do nada e da criação, da vida e da matéria, da morte e da transfiguração. (...)"

2 comentários:

Anónimo disse...

Artigo muito bom ! Parabéns!

Tiago F. Pinho disse...

Imaginei que não fosse o único a gostar destas descobertas...

Obrigado pelo feed back.